Admito que a tarefa não foi lá tão fácil assim, enfiar uma ideia contrária a de Miguel em sua cabeça era, quem sabe, a mais difícil missão a se cumprir. Eu o entendia, em partes, quanto ao fato de não querer nada que pudesse ter relação com o pai, mas, aquilo vinha de Vicente, que por sinal não estava nada feliz com a história envolvendo Fernando e sua família, em vão, escondida.
— Caramba você é muito teimoso! — Reclamei movendo os braços no alto.
— Eu que sou teimoso? Você que é insistente! — Ele rebateu e o fulminei com um olhar ameaçador. Ele tinha que aceitar e eu tinha certeza que tudo se acertaria.
— Olha, eu vou explicar pela última vez, certo? — Ele deu de ombros, ainda assim, prossegui — O Vicente não tá do lado do Fernando, pra falar a verdade ele não tá do lado de ninguém. Mas, ele quer nos ajudar e eu não vejo uma outra alternativa por aqui — Falei olhando ao redor num gesto completamente irônico.
— Eu posso... Dá pra... — Ele coçou a cabeça quando percebeu que não tinha mesmo outra saída.
— O que você ia dizer? — Perguntei erguendo uma sobrancelha e sorrindo sarcasticamente.
— Tudo bem! Tudo bem! O que fazemos então? — Ele perguntou enquanto se levantava do degrau em que estávamos sentados em frente à varanda.
— Eu preciso de um telefone.
Tivemos que ir até a cidade mais uma vez. Me deparei com uma relíquia que com certeza deveria estar exposta num museu. As pessoas realmente ainda usavam aquela coisa? Eu não conseguia imaginar quão arcaica era a ideia de sair de casa e permanecer de pé durante uma ligação fosse ela curta ou demorada.
Miguel estava com o cartão, que com dificuldade conseguira numa mercearia, e o inseriu no local indicado. Estávamos os dois dentro daquela espécie de recôncavo quando o número escrito no pedaço de papel que Vicente me deu foi discado nos botões com números já apagados, ele segurava o telefone de uma forma que ambos podíamos ouvir o tum-tum-tum demorado das chamadas.
— Amaral Advocacia. Lúcia, bom dia. — A frase decorada chegou ao meu ouvido e quase saltei ao ouvi-la.
— Oi, é... Bom dia. Eu gostaria de falar com o Olavo. — Miguel disse de uma vez e esperamos uma resposta positiva, o que não foi o caso.
— Desculpe, senhor. Você tem que marcar um horário, certo? Eu posso fazer isso pra você agora. Temos espaço na agenda para as primeiras semanas do mês que vem. Pode me dizer o seu nome? — Ela perguntou num tom gentil e eu balancei a cabeça negativamente para Miguel diversas vezes. Eu tinha uma ideia.
— Eu vou dar uma olhada na minha agenda e retorno a ligação outra hora. Brigadão. — Ele desligou o telefone antes mesmo que a atendente pudesse dizer alguma coisa — Eu não entendo você.
— Ainda temos crédito nesse cartãozinho? — Perguntei pegando o telefone de volta, ele confirmou e eu disquei o número novamente. Enquanto não era atendida, puxei o pulso de Miguel para ver a hora. Iria precisar.
— Amaral Advocacia. Lúcia, bom dia. — Mais uma vez a tal da Lúcia repetiu o seu discurso ensaiado.
— Olá, eu tenho um horário marcado agora às dez e meia com o Olavo, mas, estou numa viagem de negócios e a reunião será pelo telefone. — Mudei um pouco a voz, desnecessariamente, e percebi que Miguel segurava a risada.
— Dona Dália, certo? — Ela perguntou caindo em minha armadilha.
— Isso, minha querida. — Pisquei para Miguel que ainda não entendia o que estava acontecendo.
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Inconstante e Borboleta
RomanceAgatha é uma garota que vê todo o seu planejamento mudar quando no lugar de férias agitadas no litoral com os amigos é obrigada a viajar para o interior baiano com a família. Ela só consegue enxergar à sua frente um período entediante num lugar sem...