Capítulo 2

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A casa era tão escura quanto eu podia me lembrar, mas de alguma forma parecia estar nova. Na verdade parecia estar viva. Caminhei devagar com medo de que alguma outra parte pudesse desmoronar e eu acabasse machucando muito mais do que um joelho, o estranho é que as tábuas do piso nem sequer rangiam como antes. Eu comecei a ter dúvidas se estava realmente na mesma casa na qual estive naquela manhã.

Segui pelo corredor e todas as portas estavam abertas, com exceção da última, a mesma que guardava o quarto onde Kevin caíra. Uma luz brilhava com força dentro do seu interior, eu conseguia ver o brilho por baixo da porta. Me aproximei e respirei fundo, afinal, o que poderia estar brilhando com tanta intensidade ali dentro? Toquei a maçaneta e a girei devagar, à medida que a porta se abria o brilho aumentava mais e mais e tive que colocar a mão na frente do rosto. Pelo espaço entre meus dedos eu pude ver a fonte de toda aquela luz. Era o baú que estava exatamente onde o piso houvera cedido com o peso do meu irmão.

Tentei me aproximar, a luz não me incomodava mais. Estendi a mão em sua direção e quando já podia sentir o calor da sua presença, uma voz familiar — e ao mesmo tempo desconhecida — me chamou. Eu não tinha intenção de sair dali, mas era como se eu fosse um imã humano e fui sugada para fora do quarto. Não conseguia me segurar enquanto voava involuntariamente pelo corredor, eu tentei desesperadamente em vãs tentativas me agarrar às paredes e cada vez mais via o brilho do quarto se distanciar. O corredor parecia não ter fim até que caí e o impacto foi macio. Minha mãe me observava e Kevin estava sentado na cama logo à frente. Eu estava no quarto da pousada e tudo não havia passado de um pesadelo estranho.

— Bom dia, filha. Achei melhor te acordar, você estava se contorcendo... Devia estar sonhando.

— Um pesadelo, na verdade. E bem estranho...

Em geral eu não costumava nem sonhar, muito menos ter pesadelos. Mas aquilo não saía da minha cabeça, eu não entendia o porquê de me lembrar logo de um detalhe que passara tão despercebido. Me sentei na cama e prendi o cabelo num coque.

— Levantem e venham tomar o café da manhã. E querem saber? — Ela nos olhou como se fosse contar um grande segredo — Soube que a comida aqui é uma delícia — Ela sussurrou, piscou o olho e logo em seguida saiu do quarto. Era visível a sua felicidade por estar ali, ou melhor, por estarmos ali. Juntos.

Kevin apenas se jogou outra vez na cama e colocou o travesseiro sobre o rosto. A sensação de curiosidade não me abandonou nem quando lavei o rosto numa tentativa de esquecer aquela brincadeirinha do meu subconsciente. Por que aquele baú? Mas, com certeza não havia nada com que me preocupar. Troquei de roupa e arrumei o cabelo, minha barriga acordou e começou logo a reclamar. Desci as escadas e fui em direção à sala de refeições que ficava logo atrás da recepção passando ao lado da mesinha, super organizada, de dona Clarice.

O lugar tinha o mesmo tipo de decoração da recepção. Duas grandes janelas, que provavelmente davam para os fundos da pousada, iluminavam o salão. Algumas poucas mesas dispostas sem qualquer padrão e mais ao fundo uma grande mesa farta. Eu nunca vi tanta variedade de pães e bolos e geleias. Encontrei meus pais numa das mesas e me aproximei.

— Bom dia, meu bem! Acordamos mais cedo, mas, vamos esperar você terminar e saímos pra dar uma volta pela cidade, ok? — Meu pai se levantou e limpou algumas migalhas da camisa.

— Pra falar a verdade eu... Estava pensando em ficar e dar uma volta por aqui mesmo. O que acham? Vocês podem ir, eu me cuido. — Algo me dizia que eu precisava ficar, apesar de não querer admitir, havia uma coisa que queria fazer. Eu precisava convence-los.

Inconstante e BorboletaOnde histórias criam vida. Descubra agora