Prólogo

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Vassouras - 1874

Haveria de ser o casamento dos sonhos – sem qualquer porém. Música perfeita, comida bem-feita, bebida caprichada e decoração esmerada, alegrias verdadeiras e amor inquestionável. Nada poderia dar prazer às línguas invejosas, todas elas mordidas de raiva. A festa de Caetana Feitosa de Vasconcellos e de Roberto Canto e Melo era – com todos os adjetivos bem colocados – espetacular! O exemplo de como deveriam ser as comemorações da filha de um importante cafeicultor com o herdeiro legítimo de um deputado paulista. E, por maiores que fossem as pequenas desavenças que se espalhavam, nenhuma delas era o suficiente para impedir o maravilhamento dos convidados – presenteados com um labirinto de cerca-viva, para que pudessem se aventurar caso a festança começasse a ficar aborrecida.

Ainda que o mundo girasse a favor dos Feitosa e dos Canto e Melo, aquele carrossel possuía os seus altos e baixos. E foi no olhar abaixado da noiva que se encontrou o único "porém". Grande o suficiente para que, a partir dali, sua vida tomasse um novo rumo – este, de montanha russa.

Caetana Feitosa de Vasconcellos Canto e Melo tinha os olhos amendoados rasos de chorar.

Havia se trancado no quarto e de lá não pretendia sair até que todas as suas emoções estivessem controladas – e conseguisse forjar um sorriso –, e a vontade de dar um tapa na cara do marido passasse – se é que um dia passaria.

Andava de um lado ao outro do cômodo, tentava segurar a respiração, controlar a si e a corredeira de pensamentos que a atiravam aflições abaixo. Mas a sua cabeça não parava. Andar estimulava ainda mais os seus pensamentos de decepção e mágoa, intrincados pela traição.

Como ele foi capaz de mentir tanto? Como consegui ser cega e burra e não ter notado todas as artimanhas dele?

Limpou o rosto na manga de renda bordada. Ainda estava com o vestido de noiva e já havia se arrependido de ter casado! Deveria ter escutado os conselhos da mãe. Um casamento por conveniência era mais "conveniente" do que um por amor. Enquanto na união acordada quem manda é a razão e o companheirismo, a outra é controlado pelo amor e pelo ódio – sentimentos irmãos e extremamente inconvenientes numa boa relação de convivência. A maior parte dos casamentos da região eram por conveniência, o que talvez fosse um sinal de que ela deveria ter feito o mesmo.

Caetana se viu na frente do espelho da penteadeira. Estava elegante no vestido feito na Corte pela nobre modista Madame Guimarães. Infelizmente destoava do rosto inchado de tanto chorar.

Toda aquela elegância, combinada com a delicadeza de um véu de renda sobre os cabelos castanho-claros, desmoronou aos pés dela. Sem abrir os botões, arrancava as vestes, tirava nacos de renda. As pedrarias quicaram pelo chão, entraram por entre as tábuas de madeira, perderam-se sob a cama de solteira.

Restaram o véu, o espartilho, a chemise e as anáguas. Estudou o seu reflexo diante do espelho. Os cabelos claros fugiam do penteado, serpenteavam sobre as roupas íntimas bordadas. Lembrava alguma grega que descia do Monte Olimpo após uma noite de sedução com um deus enganador. E o que seria Canto e Melo senão um desses deuses viris que tanto atraem as mocinhas ingênuas, fazendo-se passar por quem não são? Alto, de boa complexão física, rosto empático, cabelos castanhos escuros e caridosos olhos azuis. Não poderia crer haver tanta mentira por detrás, tanta falsidade e frieza. Aquela pose de bom rapaz, noivo atencioso e recatado, havia sido desfeita como os bordados da sua roupa – tudo transformado em despojos do que havia sido o amor deles.

Arrancou a grinalda de flores e o véu, soltou os cabelos.

E caiu no chão de joelhos. As pontas de seus dedos foram esfregando-se na textura áspera do véu e, quando percebeu, estava enrolada nele, fazendo do véu mortalha para os seus sonhos de moça romântica.

As Inconveniências de um Casamento (amostra do e-book)Onde histórias criam vida. Descubra agora