A noite não passava, cortando Canto e Melo por cima da cabeça acesa, por debaixo da cama, onde se revirava atrás de uma posição agradável. Batia no travesseiro para moldá-lo à sua vontade, cobria-se e se descobria, tirou as ceroulas achando que estava com calor. A cada dez minutos – e disso ele tinha consciência – olhava no relógio sobre um aparador. A madrugada não ia embora, não amanhecia, e ele não podia ir ver como Caetana estava. E uma agonia ia lhe subindo o peito – e retesando o seu corpo só de pensar nela no quarto próximo.
Aquela não era a melhor maneira de se passar a noite de núpcias. Sozinho!
Haveria de ter planejado em detalhes, fantasiado como é que se daria a primeira vez de intimidade entre eles. A preocupação dele em que ela se sentisse confortável e que pudesse agradá-la.
Foi-lhe subindo uma quentura e o copo retesava mais ao imaginar Caetana sobre si, as costas nuas em suas mãos, os seios em sua boca. Ahhh! Ele estava ficando fora de si! Nunca havia acontecido isso! Nem quando tinha uma cortesã como amante fixa – na verdade, a única mulher que havia tido. Conhecera-a em São Paulo, ainda estudante. Lucinda lhe ensinara tudo o que sabia e a necessidade de dar prazer a uma mulher – algo praticamente impensável, afinal, o que eram as mulheres senão anjos imaculados que não poderiam ter prazer com o pecado?
Os olhos claros bateram no teto do quarto em que havia sido colocado. Aquela casa também não ajudava a não pensar naquilo. Por todo lugar havia mulheres nuas diante do olhar libidinoso de algum homem, pessoas intrincadas em poses que o faziam torcer o pescoço para entender de quem era o pé sobre a cabeça e a mão nas nádegas de quem. O teto do quarto em que estava apresentava a noite de núpcias de Sherazade com o Sultão Shariar – ainda bem que não havia sido este o quarto escolhido para eles – e, num canto, escutando atrás de uma porta, a irmã dela, Duniazade.
Canto e Melo só tinha esperanças de que Caetana não demorasse mil e uma noites para perdoá-lo. Não sabia se seria capaz de agüentar nem mais dez minutos daquele jeito.
*
O quarto que Estevão fez questão de escolher para os pombinhos era um pouquinho pior do que para onde Canto e Melo havia sido realocado. Tetos e paredes eram preenchidos por cenas do Kama Sutra – "Um pouquinho de inspiração", havia dito para o mordomo, antes de pegar as suas malas e prosseguir numa longa viagem. A cama – peça central no quarto mobilhado com móveis árabes – tinha esculpido nos pilares do dossel cenas também sexuais. Ao reparar que não eram flores que um homem cheirava, Caetana afastou-se com algum horror. Nada daquilo se assemelhava ao que a sua mãe havia lhe dito: "Deve satisfazer o seu marido e não reclamar. Deixe que ele faça o que tem que fazer e, no dia seguinte, com sorte, ele não a procurará se tudo tiver sido a contento." O rosto das mulheres nas cenas não era de quem não tinha prazer algum, ao contrário, seus olhos estavam revirados, as bocas abertas, os corpos entregues.
Caetana virou-se de barriga para baixo na cama. Ainda pesava no estômago a pequena ceia que havia feito questão de comer no quarto – não queria olhar para o marido.
Ah, aquela não era a melhor maneira de se passar a noite de núpcias!
E era na convergência que eles se faziam divergentes.
Cada um num quarto, sem conseguir dormir, pensando no outro tão próximo e tão distante.
Ele desejava ir até ela.
Ela desejava que nunca o tivesse conhecido.
Caetana arrependeu-se de ter aceito as insistências das gêmeas e as acompanhado ao sarau dos Alencar. Não era uma família nem próxima a eles! Se vira a Sra.Alencar e sua filha duas vezes, havia sido muito. Não que a achasse detestável. A Sra.Alencar era uma mulher extremamente inteligente e de uma cultura admirável. Pregava que as mulheres deveriam ter os mesmos direitos dos homens e se dizia a favor da educação feminina, considerando uma forma de controle o fato de muitas serem proibidas de aprender a ler ou a escrever. A Srta.Alencar, apesar da saúde frágil, tinha um primor de educação e uma conversa fácil.
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As Inconveniências de um Casamento (amostra do e-book)
Ficción históricaRio de Janeiro, 1874. Bailes, saraus, passeios pela Ouvidor, visitas à modista ou comer docinhos na Carceller, nada disso parece entreter Caetana Feitosa de Vasconcelos. Tudo perdeu o encanto e o brilho quando ela descobriu, no dia do seu casamento...