Capítulo 2

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A estrela Ear já raiava no céu quando Theo Avarez colocou os pés para fora de casa, e pela primeira vez em muito tempo ele não pensou no quanto preferia mil vezes estar em outro lugar.

O garoto olhou para cima, fixando os olhos nas esferas luminosas que pontilhavam a atmosfera de seu nem tão amado planeta, Eros. Aqueles pequenos globos, a várias milhas de distância do chão, brilhavam noite e dia, incansavelmente. Eram consequência do intenso uso de magia pelos tais Portadores ao longo do tempo, e apesar de serem encantadoras aos olhos de alguns, Theo não via graça alguma nelas.

Mas naquele momento ele não enxergava de fato as esferas. Seus pensamentos estavam bem presos no chão, mais especificamente na débil garota que encontrara na floresta pouco tempo antes. Ariella era seu nome, pelo que tudo indicava.

Só de lembrar do corpo da menina estirado no chão escuro, suas roupas manchadas de sangue e todos aqueles ferimentos... Pelos Céus! Como alguém pudera fazer aquilo a alguém? Theo sentia seu coração apertado desde que constatara o estado de Ariella, e quando ela finalmente abriu os olhos, foi como se uma montanha tivesse sido retirada de suas costas.

O garoto desejava genuinamente poder ajudar mais, contudo, ele nem conseguia imaginar o que acontecera a menina, e muito menos descobrir quem ela era. Afinal, Ariella não se lembrava de nada.

Ele voltou os olhos para terra firme, assegurando a si mesmo que encontraria uma maneira de ajudar a garota. Encarou a trilha de terra batida que estava prestes a percorrer. O caminho atravessava o "acampamento" onde sua casa ficava, do mesmo modo que aquele lugar cortava a Floresta Meia-Noite, no norte do Reino Nortreal.

As construções de madeira combinavam com os troncos das altas árvores que as rodeavam, talvez por terem sido construídas a partir delas. Tudo ali dependia da floresta de uma forma ou de outra, como se ela fosse a estrela Ear e o acampamento fosse o mundo Eros, orbitando inevitavelmente ao seu redor. Presos um ao outro por uma imperturbável força de atração.

E como prova dessa órbita fatal, Theo mais uma vez começou a girar nela ao seguir a rotina que lhe era imposta pelo lugar.

Desceu a escadinha que separava sua casa do solo marrom e alcançou a trilha, percorrendo-a a passos apressados. O fato de ainda ser cedo facilitava o processo, pois não tinha muita gente acordada. Havia deixado seu posto durante a noite, e precisava compensar o ato.

O único homem que Theo encontrou foi um velhinho Portador. Portadores: o mundo se dividia entre eles e os humanos. A divisão era trivial. Ambos seres racionais, que conviviam normalmente. Pessoas. No entanto, os Portadores controlavam o mundo através da magia, e os humanos não tinham nada de mágico. Bem... eram apenas humanos.

As leis de Nortreal pregavam a igualdade entre as duas raças, mas na prática as coisas eram mais complicadas. A síntese e a realidade divergiam abertamente. Uma prova disso era a razão para aquele acampamento existir.

O velhinho cumprimentou Theo com um aceno de cabeça enquanto moldava um disforme bloco de pedra, usando a sua magia no processo. A rocha reluzia à medida que se dobrava preguiçosamente na mão do senhor, que apenas a encarava sem fazer esforço algum. Theo retribuiu o cumprimento sem diminuir o passo.

Theo atravessou refeitório, o pavilhão e o depósito, todos igualmente desertos. Quando estava quase alcançando seu destino final, alguém gritou atrás de si:

― Theo!

Ele se virou na direção da voz, já sabendo a quem pertencia.

Nayla vinha correndo em sua direção, com a típica faixa branca enrolada na cabeça. O acessório era um símbolo da função que ela exercia na enfermaria do acampamento.

Se as luzes se foremOnde histórias criam vida. Descubra agora