Ariella não reclamou quando Theo carregou-a até a casa dos Avarez. Não reclamou quando ele a colocou no sofá em meio a soluços. Não reclamou quando ele tentou explicar a Nayla o que acabara de acontecer. Não reclamou quando eles tentaram decifrar o acorrido. E não reclamou quando Nayla a colocou sentada na banheira e fez a água quente cair sobre ela.
A garota simplesmente abraçou seus joelhos e encarou os azulejos azuis da parede do banheiro, imersa em sua própria ruína. A exaustão tomava cada pedaço de seu corpo e a sua mente parecia girar mais rápido do que ela poderia acompanhar.
A cena da névoa em suas mãos se repetia na mente de Ariella. O calafrio na coluna. A pontada no estômago. O espinho partido ao meio. A criatura sendo engolida pela escuridão. O novo corte na nuca. Tudo aquilo assustava a menina, embaçando seus pensamentos e turvando seus sentimentos, novamente fazendo-a sentir-se a garota sem memórias na floresta.
― Ari, você esta me ouvindo? ― Nayla perguntou balançando a mão na frente dos olhos de Ariella. A morena assentiu devagar, tentando se concentrar na amiga.
Nayla soltou a trança dos cabelos de Ariella e passou uma espuma nos fios compridos. O cheiro enjoativamente doce teria feito Ari torcer o nariz, mas ela não estava prestando atenção.
― Tem mais uma cicatriz aqui. ― Nayla disse quando viu o pequeno talho na nuca da outra garota. O corte se diferenciava dos outros apenas pelo fato de ainda estar em carne viva, mas era tão bem desenhado quanto os que cobriam as costas e o pulso de Ariella. ― Acho que eu tenho ataduras aqui, posso fazer um curativo.
― Não. ― Ari murmurou ainda abraçada aos joelhos. ― Quer dizer, não precisa.
― Como você sabe? ― Nayla perguntou, retomando por um instante sua típica postura de curandeira preocupada e exigente.
― Eu sinto. ― O sussurro assustado de Ariella fez a loira baixar a guarda e o tom de voz:
― Está tudo bem Ari. ― Nayla despejou água quente no cabelo da amiga, girando a chave do chuveiro mágico, que reluziu ao despejar mais água morna. ― Eu vou cuidar de você.
E Ariella queria desesperadamente que alguém cuidasse dela. A incerteza e confusão que invadiram a garota desde o momento que acordou na floresta nunca a abandonavam, e naquele momento estavam mais intensas do o normal, pulsando em cada milímetro de seu corpo. Consumindo-a por inteiro. Sufocando-a.
A garota se deu conta de que "cuidado" era o que ela mais precisava quando murmurou:
― Promete?
― É claro que prometo. ― E "cuidar" era o que Nayla sabia fazer de melhor.
***
Ariella dedilhou a cicatriz que carregava no pulso, sobre a pulseira dourada presa ali, sem realmente perceber o que fazia. As cobertas que Nayla jogara em cima dela impediam que o frio a alcançasse. A loira saíra do quarto com o pretexto de preparar um chá, mas Ari não ficou muito tempo sozinha, pois Theo logo adentrou o cômodo.
O garoto vasculhou o rosto de Ariella com os olhos enquanto se agachava ao lado da cama.
- Você salvou a minha vida. - Ele disse simplesmente, encarando-a a fundo.
- Precisava retribuir o favor. - Ariella sussurrou em resposta.
Ela fitou o rosto do garoto. Sempre que o encarava Ariella tinha a sensação de que ele acabara de sair de uma briga feia, graças a aquele cabelo bagunçado. Seus olhos dourados estavam sempre alertas, como se esperasse que o inimigo o atacasse a qualquer momento, mesmo que não houvesse realmente um inimigo para se esperar.
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Se as luzes se forem
FantasíaEla precisa salvar a magia do mundo. Mas antes tem que recuperar suas memórias. Copyright Gabriela Silvério, 2018 © Todos os direitos reservados. Plágio é crime.