Capítulo 4

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A chama mágica queimava incansavelmente sobre o candeeiro de ferro enquanto Ariella amarrava as botas de couro. Pegá-las sem o consentimento da dona não era pecado, era?

A garota deu dois apertados nós nas amarras marrons e levantou os olhos para o cômodo onde se encontrava. Aquela cozinha, assim como o restante da casa da família Avarez, estava incrivelmente silenciosa com a partida de sua dona pouco tempo atrás.

Marjorie Avarez fora até a cidade mais próxima do acampamento em um gesto do mais puro altruísmo, em busca de algo ou alguém que pudesse estar procurando por Ariella. E apesar de ter deixado claras recomendações para que a menina permanecesse de repouso, Ariella tinha outras intenções.

A garota acreditava que os oito dias de descanso eram mais do que suficientes. Os cortes que dançavam por seu corpo já estavam tão cicatrizados quanto sua mão e tornozelo quebrados. Ela conseguia parar em pé sem vomitar, além de sentir sua cabeça mil vezes mais leve.

Tudo isso graças à poderosa magia de cura de Marjorie, que era tão boa em curar das pessoas quanto em preparar sopas. Ariella definitivamente não poderia reclamar do tratamento que recebia naquela casa. Nayla, Theo e a mãe deles eram as três pessoas mais generosas e atenciosas que a menina se lembrava.

Não que ela lembrasse de muita coisa. Para sua infelicidade, suas memórias insistiam em não voltar. Eram tão insistentes em permanecer fora de sua cabeça que Ariella, no pouco tempo que passara acordada nos últimos oito dias, se questionava se elas de fato existiam.

Como era possível alguém acordar e puf! não se lembrar nem do próprio nome?

Encontrar qualquer lembrança era como tentar agarrar o vento: Ariella sentia-o se agitando a sua volta, mas não era capaz de segurá-lo, de controlá-lo, e muito menos de tomá-lo para si. Entretanto, a menina faria o que fosse preciso para se tê-las de volta. Se tivesse que abraçar o vento, assim ela faria.

A garota se colocou de pé, testando as botas que emprestara de Nayla Avarez. Apesar de um pouco largas, eram bastante confortáveis. Aliás, tudo que servia perfeitamente na loira ficava um tanto grande em Ariella, inclusive a calça e o suéter escuros que a morena surrupiara ainda há pouco. Afinal, ela não poderia suprir sua necessidade de se colocar em movimento trajando uma camisola de algodão.

Ao lado da porta, Ariella encarou seu reflexo no espelho. Passou a mão pelos cabelos excessivamente compridos, que caiam por seus ombros em cascatas desregradas. Havia achado a cor dos fios escura, até constatar o intenso castanho que preenchia suas pupilas. Já havia até se acostumado às feições finas e bem demarcadas que delineavam seu rosto, depois de superar o fato de não se lembrar delas.

A menina desviou o olhar para a moldura dourada do espelho. Era a única coisa dourada dentro da casa. Ariella se recordava vagamente de Nayla lhe contando que pendurar um espelho ao lado da porta era uma tradição daquela região... algo sobre ele refletir as boas energias para dentro de casa e mantê-las ali. Mas Ariella não era como as energias positivas, e definitivamente não pretendia se prender ali.

Rumou então à passos decididos até a porta, girando o trinco de metal.

Ariella esperava receber um vento frio ao chegar ao lado de fora. Ou então encarar um bando de campistas. Ou uma trilha a percorrer. O que decididamente não esperava era dar de cara com Theo Avarez, bem ali, chegando à varanda de sua casa. E foi exatamente isso – ou ele – o que a garota encontrou.

― Ariella? ― Theo sobressaltou, parando a frente da garota.

Ariella fitou os olhos dourados do garoto, também pega de surpresa. Pega no flagra, ela ironizou mentalmente.

Se as luzes se foremOnde histórias criam vida. Descubra agora