2. Problemas à vista

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     Todo começo de ano letivo a gente se pega ponderando sobre o colégio. Como será formado o corpo docente e a grade? Será que estou levando material demais? Será que alguns amigos partiram dando lugar a novos rostos? Se tratando do último ano, será que sobreviveremos aos estudos do colégio e de um futuro vestibular? Tanta pressão, tantas incertezas. Manuela estava debruçada com os cotovelos sobre a mesa e olhando a cadeira vazia ao lado sentiu certo desconforto. Murilo deveria estar ali, mas de acordo com a relação de alunos por sala nos murais do corredor, ele havia trocado de sala. Seu melhor amigo, tão próximo, agora um mero desconhecido. Não sabia se deveria confrontá-lo em algum momento, nos intervalos das aulas. Na verdade, não sabia o que dizer, não sabia como reagir e isso a incomodava bastante. Desejou ser desapegada e tão forte quanto Brenda. A amiga rodava de mesa em mesa, recebendo os alunos novos e matando a saudade dos antigos. Pensar que possivelmente muitas daqueles colegas iriam cada um para um canto ao término do ano foi estranho, então ela jurou para si mesma que iria fazer valer cada lembrança daquele ano, daquelas pessoas sem saber que muito ainda estaria por vir. Quando um de seus professores entra em sala, todos os alunos começaram a voltar aos seus respectivos lugares.

- Manuzinha, tenho tanta fofoca pra te contar que... – seus sussurros são interrompidos pela amiga.
- Lembra dos caras do mico que te falei agora a pouco? Disfarça que eles estão vindo.
Brenda levantava a cabeça rapidamente, nem um pouco discreta, deixando Manuela ainda mais envergonhada. Ela observou dois garotos se aproximando. Eram completamente diferentes um do outro. O primeiro, era pálido, magro, esguio. Vestia um casaco preto de moletom e ainda mantinha o gorro sobre a cabeça loura. Trazia um semblante frio e estava visivelmente peturbado com as provocações do segundo. O motociclista, vestia uma touca marrom e mesmo com sua jaqueta de couro batido, mostrava-se visivelmente mais forte e um pouco mais alto que o amigo. Trazia o capacete vermelho na mão esquerda, enquanto se posicionava mais à frente na tentativa de disputar quem iria entrar primeiro na sala em uma infantil briga de ombros entre os últimos espécies dos machos dominantes babacas.
- Vale lembrar, senhores, que atrasos e/ou agressões físicas não serão permitidos em sala de aula – o professor chama a atenção com uma voz polida – mas se quiserem resolver seus problemas lá fora, fiquem à vontade.
- Quem dera, professor, quem dera – o garoto loiro responde irritadiço.
- Digamos que temos essa ligação sobrenatural inquebrável, mestre – debochou o motociclista.
- Certo, senhores, deixem para discutir o relacionamento em outra hora e sentem-se.
Toda a turma começou a rir, Manu, entretanto olha discretamente ao redor, buscando os lugares vazios onde eles poderiam sentar. Maldito Murilo, ele sempre sentou ao seu lado e agora deixou um dos lugares vagos. Manu sentiu no fundo do seu coração, como um sexto sentido que aqueles garotos eram um problema, e naquele ano em que ela apenas queria colocar sua vida nos eixos, problema era exatamente o que ela tentava evitar. Quando os dois garotos tomaram cada um os lados distintos da mesma fileira, onde havia aquele maldito lugar vago, Manu apenas torcia em segredo para que eles fossem para o final da sala, que de forma alguma sentassem do seu lado. Eles se aproximavam a cada segundo e o coração de Manu gelava a cada passo. Justamente do final da sala que uma solução chegou, balançando seus dreads pelo ar.
- Nunca gostei de sentar na frente... Saca a turma do fundão? Como não conheço ninguém por essas bandas, então tanto faz. Posso sentar aqui?
- Não! – sussurrava Brenda, do outro lado, de forma ríspida.
- Claro! – Manu respondia aliviada, com um sorriso sincero, quase ao mesmo tempo.
- Prazer, Frango.
- Oi? – Brenda ria enquanto notava que os dois encrenqueiros se dirigiam para o fundo da sala, ambos fitando sua amiga Manuela cumprimentar o doido dos dreadlocks.

***

- Podem confessar que a maior surpresa do dia foi descobrir que nosso amigo Frango aqui,na verdade é Fernão – debochava Manuela.
- Quem se chama Fernão, hoje em dia? – acrescenta Brenda, gargalhando.
- É Fernão mesmo, como aquele município, saca? Quando se tem um nome de velhodesses, bicho, você não liga se te chamarem de "frango" ou qualquer outra coisaque não ofenda sua mãe.
- Já pensou se a moda pega? Vou colocar o nome do meu filho de Itaquaquecetuba– Brenda continuava, sem limites.
- Assim nasceria outro "frango", sua maluca – ele dava um estranho sorriso –Então, a real é que é coisa de família, saca? Fernão era o nome do meu avô. Sorteque não tenho uma irmã, porque o nome da minha avó, olha – ele faz uma pausacom uma cara engraçada – era sensacional.
Elas riram e ele acrescentou, aumentando o nível do deboche mútuo.
- Em minha defesa, o nome das duas beldades não são tão comuns também.
- Mas nem por isso chamam a gente de galinha, por aí.
- A louca! – Manu chamava atenção enquanto soltava um sorriso que chamou aatenção de quem passava ao redor.
- Olha aí, depois a escancarada sou eu.
- Escancaradas não sei, mas populares com certeza – Frango confessava – Vê o menino Jackson Five lá do outro lado?Não parou de olhar pra cá desde que chegamos.
- Aquele é o Murilo. Nós costumávamos ser amigos até... – Manu não conseguiacontinuar. Não estava confiante ou forte o suficiente para contar a umdesconhecido uma parte triste da história da sua vida sem reviver aquelas lembranças,toda aquela carga pesada e desabar em melancolia. Não seria justo com ela, comele ou com ninguém.
- Longa história, – interrompia Brenda, colocando uma das mãos sobre um ombroda amiga – longa história.
- Não está aqui quem falou – Brenda notou que a expressão de Fernão não era decontentamento, mas de curiosidade. Ela esperava mesmo que ele não quisesserevirar as lembranças de Manu nesse ou em qualquer momento – E quanto aosoutros? Longa história também?
- Que outros? – Brenda perguntava enquanto esticava seu pescoço sobre Manuela.
- A dupla encrenqueira que chegou causando na nossa sala, o japa encostado naparede do outro lado do pátio e até aquela morenaça, disfarçando, brincando como canudo do suco que está bebendo. Por falar nisso, vou vazar pra comer algumacoisa antes de acabar o intervalo. Sou magro de ruim e preciso sustentar aslombrigas aqui dentro – sorriu – Fui!
Nenhuma das duas deu atenção para a saída de Frango, ou para seus gracejos, masconcluíram que ele tinha razão ao perceber que os quatro não tiravam mesmo osolhos de Manuela.
- Não conheço nenhum deles – concluiu Manu, intrigada.
- Droga – Brenda suspirava - Eu sabia que tinha que ter pintado o cabelo também.    

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Sobre o capítulo:
1) Lembro que todo ano faltava o primeiro dia. Toda essa apreensão me deixava um pouco nervoso. Preferia aparecer quando as coisas já estavam com os ânimos controlados. Sem contar que sempre causava um suspense entre os amigos se eu iria continuar no colégio ou não. Desculpe a falsa modéstia, mas eu adorava isso hehehe.
2) E quem nunca descobriu um novo amigo em uma situação inesperada? Um brinde e todos os Frangos desse Brasil.
3) E não, nunca tive quatro crushes no colégio. Inveja da Manu bateu forte aqui, hahaha.

Forte abraço e até a próxima.

QUATRO CORAÇÕES PARA O FIM DO MUNDOOnde histórias criam vida. Descubra agora