Estavam comendo em silêncio.
Em sua pequena residência, Rose fizera um jantar. Pão com geleia e café. Era tudo o que tinha.
Entretanto, a jovem convidada não comera; olhava fixamente para suas mãos, embaixo da mesa.
- Hm... - Rose tenta chamar sua atenção, com êxito. Porém, não sabia o que fazer em seguida. - Você... Você não pode ficar...
- Não posso ficar...? Não posso ficar aqui, é isso? - seus olhos castanhos fitaram os da outra. - Tudo bem, eu...
- Não! - sua voz soara mais alto que o desejado. - Não é isso. Você não pode ficar sem um nome. Quer dizer, suponho que você...
A garota dos cabelos castanhos avermelhados suspira, fechando brevemente os olhos. Rose temera a possibilidade de haver uma reação contrária.
- Alguma... Sugestão? - perguntara, por fim.
Rose não pôde evitar um suspiro de alívio escapar minimamente de seus lábios, sua postura deixando a tensão.
- Hã... - olha para os quatro cantos do ambiente, como se procurasse inspiração. - Que tal... Maryenn?
- Mary... Maryenn? - uma careta forma-se em seu rosto pálido, que ressaltava suas sardas.
- É-é... - Rose abaixa levemente a cabeça, cogitando a possibilidade de estar parecendo uma ridícula, a insegurança tomando conta de si. - N-não gostou?
Silêncio se instala. Até que a resposta chega:
- Maryenn... Gostei - um pequeno sorriso de satisfação forma-se em seus lábios.
···
"Suas lágrimas caiam sobre o chão gélido. Algumas gotas de sangue insistiam em gotejar de seu nariz quebrado, seguindo o mesmo trajeto que as lágrimas.
Muitas vezes engasgava-se com seus soluços.
Seus pequenos braços, pernas, tremiam, incontrolavelmente.
Sua cabeça encurvada, fitava o chão. Não tinha coragem, muito menos forças, para olhar a figura à sua frente.
- Olhe pra mim quando eu estiver falando! - sua voz grossa ecoa pelo pequeno espaço. A única iluminação era o da porta entreaberta, deixando o ambiente na penumbra. - Me olhe, vadiazinha!
Um chute lhe é desferido contra o rosto, fazendo-lhe cair de lado, gritando de dor.
- Ah, não vai me olhar? Que pena, muita, muita pena - andou em círculos, ao seu redor. Podia jurar que o homem de máscara estara com seu olhar zombeteiro, mergulhado em profundo prazer. Um sádico, de fato. - Que tal fazermos mais uma queimadura em você? Só mais uma, para aumentar o arsenal, o que acha?
Pega um cigarro de seu bolso, acendendo-o com um esqueiro.
Sentindo o cheiro do perigo, rastejou com muita dificuldade alguns centímetros, seu olhar levantando-se minimamente, mas o suficiente para o homem ver o pânico, o medo e o pavor em seus olhos negros.
E era isso o que o incitava à fazer o que fazia.
Tais sentimentos que tiravam o sono da menina de noite, eram os mesmos que trazia horas de prazer ao homem.
Ao monstro.
- N-não... - a pequena criança murmura, sua voz embargada, ao ver seu agressor aproximando-se. - Não! Não, para, por favor, para!
Como se ignorasse as súplicas da pequena, levou seu cigarro acesso de encontro à pele pálida, maltratada.
Gritos angustiantes iniciaram-se.
- Shhh, shh - um sorriso diabólico toma conta de seu rosto. - Calminha, calminha, bebê.
Choros emanavam tristeza ao ambiente hostil. Com apenas 7 anos, sabera o real significado da palavra dor.
- E se você contar para sua mãe, eu a mato! Igual matei Yoon, lembra-se? - ao lembrar de como a cabeça de seu cachorro fora separada do corpo de forma brutal, um soluço faz com que a criança solte uma breve tosse. - Agora, vamos deixar você um pouquinho sozinha, certo? No escuro, junto com os... Monstros!
Mais uma vez o pânico lhe possuí, seu olhos arregalando-se, levantando completamente o olhar para o homem. Porém, o mesmo já estara no último degrau da pequena escadaria do porão, fechando a porta.
Seus berros e súplicas não podiam ser ouvidos. Por mais ninguém.
- Olá, pequena, vamos brincar? - uma figura distorcida aparecera diante a escuridão, sendo possível distinguir somente a silhueta. - Eu vou pegar a faca, cortar suas viceras e dar aos porcos - sua voz distorcida fez com que a garotinha de pele negra gritasse.
Rose nunca esqueceria o que passara nas mãos do padrasto."
Acordara sobressaltada. Completamente suada, fios de seus cabelos cacheados grudaram-se em sua testa úmida.
Calma, Rose, foi só... Um sonho... Não... Não vai acontecer de novo... Ele morreu... Seu agressor morreu.
A moça repetia incansavelmente em seu subconsciente tais palavras conforto. Sua respiração ruidosa estara acalmando-se, seus batimentos cardíacos sendo normalizados.
- Não, não, me deixem! - gritos foram-se ouvidos. Rose os reconhecera.
Maryenn!
Levantando-se às pressas do sofá em que dormira, após menos de seis segundos de corrida, já que sua moradia não era das maiores, entrara no quarto que tinha como porta um lençol velho pendurado habilmente em dois pregos.
Ao chegar lá, vira em um dos cantos mais escuros do pequeno quarto, a mulher dos cabelos castanhos avermelhados pressionando-se contra a parede, seu rosto angustiado e perturbado iluminado pela fraca luz do abajur de segunda mão posto sobre um criado mudo com uma das suas duas gavetas faltando.
Suas faixas postas sobre seu tornozelo ferido foram retiradas bruscamente, espalhadas pelo chão, revelando um inchaço jamais visto por Rose.
Seus cabelos desgrenhados, de seus lábios murmúrios sem sentidos eram soltos. Lágrimas rolavam de seus olhos castanhos puxados. Uma cena triste de se ver. Um aperto desconhecido toma conta do peito da jovem morena recém-chegada no quarto.
Respirou fundo, fechou os olhos, abrindo-os em seguida, e em passos lentos, sentou-se ao lado de Maryenn.
Não sabia o que dizer, o que fazer.
Então, sem mais pensar em nada, Rose simplesmente abraçou a garota transtornada, encostando sua cabeça sobre um de seus ombros, olhando para a mesma direção que Maryenn.
- Não há o que temer - Rose sussurra, tentando alcamá-la. - Você não ficará mais sozinha.