Capítulo 3

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Enquanto checava pela última vez se todos os itens necessários para nossa viagem estavam ali, Joy, que há pouco tempo havia acordado, estava de maneira muito desajeitada, e até engraçada, tentando colocar seu enorme casaco.

— Deixe eu te ajudar. — disse, auxiliando a garotinha que se debatia, tentando retirar o casaco preso em sua cabeça. — Não podemos nos atrasar, temos poucas horas de luz.

— Obrigada. — disse ela, recuperando o fôlego.

Equipei Joy com sua pequena mochila azul, carreguei a Glock com a única bala restante que tínhamos, e saímos para nosso destino. Pelos meus cálculos, se a avenida principal não estivesse completamente congelada, ou, se não tivesse acontecido nenhum deslizamento de neve, estaríamos na porta da antiga universidade, agora colônia de sobreviventes, em poucas horas.

Saímos da cabana e começamos a nos dirigir em direção à avenida. O frio era intenso, mas, pelo menos, não estava nevando no momento, e podíamos ver, mesmo que com alguma dificuldade, o nosso caminho. Caminhamos por cerca de 20 minutos em silêncio, quando senti alguma coisa puxando meu casaco. Era Joy.

—O que é aquilo? — perguntou, apontando com espanto para algo soterrado na neve.

— Apenas vamos continuar. — disse, continuando andando.

Joy era ainda uma criança, mas não era burra. Ela sabia que aquilo na neve era um cadáver. Mas o que eu poderia dizer? É o apocalipse, pessoas morrem. Além disso, minha promessa para a mãe dela era ser seu protetor até chegarmos a um local seguro, e não tentar explicar o motivo de tudo acontecer. Só Deus sabe como aquele indivíduo morrera. Frio, fome, sede, saqueadores, lobos, doenças ou sei lá mais o quê. O fim do mundo nos traz várias formas de morrer, e não estava nem um pouco à vontade de tentar explicar isso para Joy.

Continuamos caminhando por um tempo. Com tudo congelado, era difícil manter um bom ritmo sem se cansar, mas pelo menos havia um lado positivo. Mesmo com todas as casas congeladas, ruas cheias de neve, carros abandonados e um frio infernal, a paisagem era, até certo ponto, incrível. Os flocos de neve ao se encontrarem com as folhagens das árvores faziam um casal tão perfeito que parecia época de Natal. Mas ninguém gosta de comemorar o Natal todos os dias por dois anos, e eu não era diferente.

— Minhas pernas estão doendo! Podemos descansar? — disse Joy, choramingando.

— Não podemos parar. Quanto mais pararmos, mais tempo iremos demorar para chegar na comunidade.

— Mas minhas pernas estão doendo!

Quando, novamente, eu iria dizer ''Não" a ela, Joy já estava sentada em uma rocha, segurando seu ursinho. Aquela garota não sabia receber ordens, percebi. A mãe dela deveria tê-la criado melhor do que isso.

Como não havia outra alternativa, eu me sentei ao lado dela, e peguei uma garrafa de água. Bebi apenas um pouco, pois não sabia quanto tempo demoraríamos para chegarmos à universidade, e não queria gastar todo o nosso pequeno suprimento antes de estarmos a salvo.

Enquanto matava minha sede, Joy estava revirando sua mochila, e retirou um porta-retratos que estivera preso na parede da cabana, com a foto do casal de idosos.

— Você deixou a foto de seus pais para trás. - disse Joy, entregando-me o porta-retratos. — Eu sempre ando com uma foto da minha família. Minha mãe que me deu essa. — disse, mostrando-me, com alegria, a foto de sua família reunida. Alegria que, com as lembranças, foi desaparecendo do seu rosto aos poucos.

— Eles não eram meus pais, eram apenas os antigos donos da cabana em que estávamos.

— Hum... e onde eles estão agora? — perguntou Joy, com um tom curioso.

"Provavelmente mortos", pensei. Mas o gesto daquela garotinha foi tão nobre, que não poderia soltar uma dessas a ela. Não que eu me preocupasse com o que ela acharia, apenas queria retribuir o gesto dela. Era justo. Então apenas me contentei a dizer:

— Não sei, mas acho que estão bem. Talvez tenham encontrado uma comunidade e estejam sobrevivendo por lá. — respondi, tentando, em vão, dar um pouco de esperanças para a pequena criança.

Como havia percebido, ela não era burra, sabia o que provavelmente havia ocorrido.

— Se eles não eram seus pais, onde eles estão agora? — perguntou Joy.

— Bem, meus pais...

Fui interrompido pelos barulhos de rosnados, que pareciam ser de lobos. Deviam estar famintos, e como, aparentemente, não havia nenhum outro animal por perto, se nós ficássemos ali, seríamos o almoço daqueles caninos. Apressei a me levantar e peguei Joy pelo braço, mas quando íamos sair dali, um lobo, saindo da mata, apareceu na nossa frente. Desesperado, comecei a procurar minha arma. Peguei a pistola e atirei no lobo. Um tiro certeiro. Os anos de Exército valeram de alguma coisa.

Mas a alegria durou pouco. Outros dois lobos mais adiante apareceram, e a única bala que tínhamos havia sido usada. Olhei para Joy e disse:

— Corra!

Começamos a correr, mas Joy, com suas pequenas pernas, não conseguia acompanhar o ritmo. Vendo que correr não era uma possibilidade viável, olhei para Joy e disse:

— Desculpe.

Pegando-a, eu a coloquei apressadamente em uma lata de lixo que havia sido largada na rua. Dirigi-me até um carro e, com um soco, quebrei o vidro lateral, pegando um pedaço no chão, com auxílio da blusa azul que tinha achado na mochila de Joy. Eu me posicionei para me defender do primeiro lobo, mas, como era mais forte que eu, a criatura me derrubou e cravou seus dentes no meu casaco. Por sorte, o casaco era grosso e seus dentes não chegaram em meu braço. Com todas as minhas forças, empurrei o lobo para o lado, mas suas unhas rasgaram uma parte do meu rosto, fazendo sangrar pelos arranhões. Aquilo queimava como se estivessem colocando uma brasa na minha pele.

Com certa dificuldade consegui encravar o pedaço de vidro no peito do animal, que, sangrando sem parar, morreu em instantes.

Quando comecei a me levantar, o segundo lobo me atacou por trás. O pedaço de vidro, que era minha única defesa, ficara encravado no lobo anterior, e eu não tinha nada para me defender. Vi a morte de perto, e fiquei feliz por isso. Era o que eu queria desde o começo. Se morresse ali, não teria culpa de não ter cumprido minha promessa, e Joy não seria mais problema meu. Então apenas fechei os olhos e aceitei o que estava prestes a acontecer. Mas, para minha surpresa, uma lança atravessou a cabeça do lobo, fazendo-o cair do meu lado.

Caído no chão, olhei para cima e vi uma mulher. Alta, pele negra e um olhar incomparável. Ela era linda. Diria que era meu anjo da guarda, se ela não tivesse acertado minha cabeça com um bastão, fazendo-me perder a consciência.


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⏰ Última atualização: Aug 29, 2018 ⏰

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