| 1 | Recém formada

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Sophia

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Sophia


Finalmente eu havia me formado. Foram 08 longos anos me de-
dicando aos estudos. Deixei de lado muitas coisas para enfim, realizar
outro sonho. Ao meu lado, todo orgulhoso da esposa, está Pedro.
Meu marido sempre me apoiou em todas as minhas decisões.
Quando contei que iria cursar mais 02 anos de medicina para me espe-
cializar na minha área, ele me apoiou sem titubear.
Foi ele quem me deu forças para continuar quando eu já não
tinha mais coragem. Devo tudo o que hoje sou a ele.
— Cadê a médica mais gostosa do Rio de Janeiro? — Anália che-
gou com o seu jeito extrovertido. Me abraçou forte e me parabenizou
pela formatura.
— Obrigada. — Agradeci ao sair do seu abraço. — Cadê o Gio-
vanni? Não o vi depois da cerimônia.
Estávamos na festa que meu pai e sua nova esposa haviam feito
em minha homenagem. Fiquei muito feliz quando meu pai veio me
contar que ele estava se permitindo ser feliz outra vez. Isabel fazia bem
a ele, e isso já me bastava.
— Ele foi resolver um problema com um dos garçons. — Dis-
cretamente ela pôs a mão na boca e falou baixo, sem que Pedro pudesse
ouvir. — Ele foi dar umazinha e já volta.
Ri da situação.
Anália pediu licença, e logo já estava se enturmando com alguns
colegas da minha faculdade.
Voltei minha atenção para um pequeno palco montado no meio
do salão. Lá estava meu pai, sorrindo feliz. Ao seu lado, minha madras-
ta e mais um senhor que eu não conhecia. Meu pai levantou uma taça
e disse: — Um minuto de atenção, por favor. — Assim que todos os
olhares se voltaram para ele, continuou: — nunca pensei que estaria
vivo para presenciar esse feito tão importante na vida da minha filha.
Sorri largo para ele.
— Há 08 anos, quando Sophia era apenas uma adolescente pres-
tes a se casar, eu pedia a Deus para que desse sabedoria para ela. Que
colocasse juízo naquela cabeça oca. E assim Ele fez. Atendeu o meu
pedido, e hoje minha filha se tornou uma bela mulher. — Seus olhos es-
tavam grudados nos meus, os quais transbordavam lágrimas de alegrias.
— Filha, no dia do seu casamento você me disse que, iria ser a médica
cardiologista que sempre sonhou. Que iria fazer o bem. Construir laços
de amizades. E fez tudo isso. Estou mais do que orgulhoso de você. E é
por estar tão orgulhoso que trouxe hoje aqui, para prestigiar e dar uma
ótima notícia a você, um grande amigo de Isabel, o Doutor Chagas.
O senhor de cabelos grisalhos e óculos, apertou a mão de meu pai
e pegou o microfone.
— Em primeiro lugar, quero lhe parabenizar pela formatura. Não
são muitos os que terminam essa jornada sem ter enlouquecido. — To-
dos ali presentes riram, inclusive eu. — E em segundo lugar, quero in-
formar que, por mérito seu, é com muita alegria que dou as boas-vindas
à nova médica cardiologista do Hospital Renascer, Sophia Bittencourt.
Meu corpo todo entrou em choque. Eu não sabia se chorava ou
sorria. Senti os braços do meu marido me envolvendo e os aplausos dos
outros ao meu redor.
Eu estava empregada. E não em um simples emprego, mas sim no
hospital dos meus sonhos, onde sempre ansiei um dia poder trabalhar.
E aquilo estava se tornando real.
A festa deu continuidade, e por volta das duas horas da manhã
finalmente pude relaxar.
Pedro preparou um banho quente na nossa banheira do quarto. A
água morna estava perfuma pelos sais de banho, duas taças de champanhe
estavam ao lado da banheira e uma música suave e lenta ecoava pelas caixas de som por toda casa. Se morássemos em um apartamento, uma
hora dessas estaríamos no olho da rua por perturbar a paz.
Bebi o champanhe recebendo uma gostosa massagem nos pés.
Pedro me agradava em tudo o que fazia. Desde um simples bom dia,
até uma massagem relaxante. Ele era perfeito. Era meu delegado. Meu
dono.
Não fizemos amor. O cansaço era tão grande de ambas as partes,
que decidimos apenas deitar agarradinhos e dormir.
O dia raiou e eu já estava de pé.
Pedro já tinha ido para a delegacia e eu iria fazer algumas compras
para a casa; já estava faltando algumas coisas.
Vesti um macacão curto jeans, calcei meus chinelos de dedos,
peguei minha bolsa e joguei lá dentro meu celular, carteira e chaves do
carro. Dei comida para Mel, nossa cadela, e tranquei as portas.
Dirigir me acalmava; me sentia poderosa sentada no banco atrás
de um volante.
Eu era louca para dirigir meu próprio carro, e qual não foi a mi-
nha surpresa quando Pedro me presenteou com um quando fiz vinte e
quatro anos. Agora, aos 27, eu quero viajar para fora do país.
Estacionei o carro na vaga e segui para o mercado.
Era segunda-feira, e por isso não estava tão cheio o estabeleci-
mento. Peguei um carrinho de compras e comecei a colocar tudo o que
eu precisava e mais um pouco. Recheei o carrinho com vários pacotes
de biscoitos recheados e batatinhas; eu não conseguia viver sem minhas
guloseimas, o que resultava, no outro dia, em quase 02h de academia
para perder as calorias ganhas pelos biscoitos.
Com tudo escolhido, segui para o caixa, e em poucos segundos,
já estava outra vez dirigindo para minha casa. Guardei as compras na
despensa e decidi fazer um almoço diferente para Pedro e eu. Ele sem-
pre vinha me fazer companhia no almoço. Foram poucas as vezes que
almocei sozinha em todos esses anos de casados.
Decidi fazer uma suculenta picanha ao forno no sal grosso, acom-
panhada de arroz branco, feijão preto — que ele tanto adora — e uma
salada caesar. A comida ainda estava quente quando Pedro chegou, e
não perdeu tempo: me puxou para perto de seu peito e capturou meus lábios com os dele. Nossas línguas dançavam sensualmente no mesmo
ritmo. Senti um leve beliscão no meu lábio inferior quando ele o mor-
discou. Agarrei sua nuca, aprofundando mais o beijo. Eu o queria na-
quele momento, e não me importava se estávamos na hora do almoço.
— Vamos para o quarto. — Eu disse, entre beijos. — Quero você
agora.
— Eu também.
Fomos aos tropeços até o corredor que dava para os quartos, mas
antes que pudéssemos entrar no nosso, o interfone tocou, anunciando
a visita inesperada de alguém.
— Que merda! — Esbravejou Pedro, irritado. — Vou tomar um
banho. Atende, por favor.
Dei mais um beijo em seus lábios, e o deixei entrar no quarto.
Passei as mãos rápidas nos cabelos tentando de alguma forma
arrumar os fios bagunçados pela nossa “quase transa”.
— Quem é? — Perguntei, ao atender.
— É a Ana. — Falou ela, e em seguida gritou meu amigo: — E
o Giovanni também!
Apertei o botão para abrir o portão, liberando o acesso deles à
minha casa. Morávamos num condomínio de luxo; apenas pessoas que
realmente pudessem pagar pela taxa do imóvel poderiam residir ali.
Ana e Giovanni entraram na sala sorridentes. Cada um trazia nas
mãos várias sacolas de lojas. Essa era a tarefa preferidas deles: gastar até
não poder mais. Os convidei para se juntarem a nós no almoço. Come-
mos ao som de risadas e de muita fofoca, todas elas vindas de Giovanni,
meu amigo que não sabe controlar a língua e fala a primeira coisa que
vem em sua cabecinha de vento. E eu o amo por isso.
Muitos o julgam por suas “escolhas”, porque ao invés de escolher
uma profissão como as dos outros homens, ele optou por fazer aquilo
que lhe dava prazer; ao invés de casar e constituir uma família ao lado
de uma bela mulher, meu amigo preferiu assumir quem ele realmente
é: gay com orgulho.
— Vou indo. — Pedro beijou meus lábios, acariciou minha bo-
checha e sussurrou baixinho em meu ouvido: — (à noite você não me
escapa) Boa tarde a todos.
Esperei que Pedro saísse para que, só então, Ana e Giovanni
pudessem falar o que realmente estavam fazendo ali.
— Desembuchem logo.
— Acho que estou grávida. — Anália soltou a bomba que me
atingiu de uma forma impactante. — Compramos um monte de rou-
pinhas de bebê.
Olhando de um para o outro, busquei alguma coisa que fizesse
sentido na história maluca, sem pé nem cabeça, que havia acabado de
ouvir. Como é que uma pessoa chega na casa dos outros e diz que está
grávida sem ao menos ter um namorado?
Eu não deveria me espantar com algo vindo de Anália. Ela é a
mais louca de nós três. Sempre foi assim, nas baladas era quem mais
chamava atenção; em qualquer lugar que fôssemos era a mais cobiçada.
Seu corpo e rosto ajudam muito, mas é o seu jeito extrovertido que
cativa todos ao seu redor.
Recuperada do susto, olho fixamente para ela e pergunto:
— Você está bem?
— Claro que sim. — Sorrindo ela respondeu. — Pode ser que
daqui a uns meses eu tenha um bebezinho nos braços.
— Eu vou ser o padrinho.
— Calma aí. — Levantei do sofá, e pus as mãos na cintura. —
Você fez algum teste? E se você realmente estiver grávida, pelo menos o
pai da criança está com você, não é?
— Vou fazer o teste agora. — De umas das várias bolsas no chão,
ela tirou uma pequena caixa contendo um teste de gravidez. — Escolhi
fazer aqui porque se o resultado for positivo, todas as pessoas importan-
tes para mim saberão ao mesmo tempo que eu. Vou ao banheiro.
Esperei ansiosa ao lado de Giovanni na sala; parecia que era eu
quem estava fazendo o teste. A agonia era tanta que estava chegando
quase ao ponto de roer as unhas.
Anália, ou Ana, para os íntimos, já estava há mais de 10 minutos
no banheiro. Pelo que Giovanni havia me contado, o resultado sairia
em 05 minutos ou menos. Quando estava prestes a chamá-la, ela volta
para a sala com o olhar triste. Seus olhos estavam vermelhos, parecia
que estava chorando.
Ela suspirou e sentou-se entre nós.
— Negativo. — Lamentou, levantando o teste de gravidez. Aca-
riciei suas costas, tentando passar algum consolo. — Eu queria tanto
esse filho.
— Não era o momento. — Disse, e Giovanni concordou. — No
tempo certo você terá o seu filho, tenha fé. Não adianta você querer
apressar as coisas. Me diga: o que seria dessa criança sem um pai?
— Sophia está certa.
— Mas um filho iria preencher esse vazio que tenho no peito.
— Chorou baixinho, lembrando do abandono de seus pais. — Eu só
queria alguém para amar.
— Você tem a nós.
Depois que Anália e Giovanni foram embora, resolvi arrumar
a casa. Na verdade, não tinha muito o que ser arrumado, pois éramos
somente Pedro e eu, e não havia quase nada fora do lugar, mesmo assim,
fiz uma pequena faxina.
Aproveitei para esquentar o jantar, pois tinha sobrado bastante
do almoço, e uma coisa que não aceitamos aqui em casa é desperdício,
seja do que for. Com tanta gente passando fome por aí, é até um pecado
jogar comida fora.
Depois de preparar a mesa do jantar, corri para o banheiro e to-
mei uma ducha fria; o calor que fez hoje me fez perder uns 02 quilos
apenas suando.
Quando meu marido chegou do trabalho, eu já estava pronta,
esperando por ele com um sorriso no rosto.
— Nossa, para quem é toda essa produção? — Sorrindo safado,
ele me tomou nos braços e me beijou de leve.
— Para um certo delegado.
— Acho que vou partir logo para a sobremesa.
A noite foi longa. Pedro me cobriu de carícias e passamos uma
noite juntos, nos perdendo no prazer.

***

Era terça-feira. A melhor terça-feira da minha vida, pois hoje eu
começaria em meu novo emprego, e o melhor de tudo: na área que eu
gostava.
Sempre me preocupei em cuidar dos outros; desde pequena brin-
cava de enfermeira e passava horas e horas cuidando das minhas bone-
cas. Quando minha mãe faleceu, esse desejo só aumentou.
Vesti meu melhor vestido, um tubinho preto com um cinto fino
discreto com uma fivela. Nos pés um salto alto na cor nude. Fiz uma
maquiagem natural e optei por deixar meus cabelos soltos. Por último,
peguei minha bolsa; dentro dela havia tudo o que eu precisava para o
meu primeiro dia de trabalho.
Sai de casa fazendo uma rápida oração, pedindo a Deus direção
e sabedoria.
Dirigi uns 20 minutos ao som de Taylor Swift, cantarolando de-
safinada, mas pouco me impotava, só queria extravasar minha alegria.
Estacionei em uma vaga com o meu nome e fiquei admirada com
tamanha beleza que tinha o hospital.
Sem dúvida, era o melhor hospital do Rio de Janeiro. Sofisticação
e riqueza transpassavam suas paredes; uma simples consulta aqui custa
o “olho da cara”. Janelas de vidro permitiam uma ampla visão de ambos
os lados.
Andando elegantemente, orgulhosa de minha conquista, fui en-
caminhada para a sala do diretor do hospital.
— Ele já está vindo. — A secretária, que tinha mais ou menos a
minha idade, me informou. — Pode se sentar.
— Obrigada.
Olhei ao meu redor e foquei minha atenção nos prêmios expostos
numa prateleira.
— São lindos, não é? — Uma voz firme me fez soltar um leve
gritinho.
Virei-me para o dono da voz e senti meu coração falhar uma
batida. Ele não era um velho caindo aos pedaços como eu havia imagi-
nado ontem. Ele era novo, alto e bastante atraente. Seus olhos eram de
um tom de azul tão incríveis que mais pareciam uma piscina, o rosto
completamente barbeado; ele era o verdadeiro significado do ditado
popular: pedaço de mau caminho.
— Desculpe, não quis assustá-la. Prazer, Miguel Alexandre Cha-
gas.
Uma enorme mão foi erguida diante de mim. Como se saísse de
um transe, sorri fraco e o cumprimentei.
— Sophia Bittencourt.

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