A Casa Velha

6 2 0
                                    

A rua onde nos encontrávamos era escura e estava vazia. A única luz artificial que havia era ao fundo, mas estávamos a caminho dela. Fito Elliot, que esfrega as mãos de modo a se aquecer.

- O que te cativou a leres... a leres o meu diário? - Ainda era estranho saber que alguém, um perfeito desconhecido, o tinha lido.

- Não estava numa fase boa da vida, e precisava de me distrair... - Afirma Elliot. Mas aquela resposta não me convencia muito.

Quando nos aproximámos mais, percebi que a luz provinha de uma grande casa, escondida entre árvores.

A casa era de madeira escura e velha, soalho desgastado e telhas caídas pelo pequeno relvado que havia à frente do alpendre. A porta também era antiga, e quando Elliot a abriu, a mesma chiou num baralho estridente e desconfortável.
O interior não se assemelhava nada com o exterior. As paredes estavam repletas de papéis presos com pregos, mapas traçados a tintas berrantes, pequenas luzes amarelas decorativas e contactos telefónicos colados visivelmente ao longe. O chão estava um pouco desarrumado com livros empoeirados e abertos. Não era de todo uma habitação de família.
Por outro lado, a sua dimensão era algo que hoje em dia se procura muito no mercado americano: teto alto, corredor comprido. Grande, uma casa grande.

Mas aquele era apenas o hall de entrada. Elliot levou-me até à sala de estar, onde se encontravam mais duas pessoas, um rapaz e uma rapariga também adolescentes.

- Malta - Chama ele - Esta é a... a Rose.

A rapariga saltou da sua cadeira e levantou-se, olhando para mim de cima a baixo com um ar julgador.

- Relaxa - Pediu Elliot, afastando-a de mim com a mão. - Rose, apresento te a Alex.

Alex, uma rapariga muito bonita, na minha opinião. Os seus cabelos eram morenos e encaracolados e encontravam-se amarrados num rabo de cavalo, os seus olhos castanhos estavam pintados com um delineado preto. Os lábios eram perfeitamente desenhados à medida, e a sua estatura era baixa e delicada, escondida por um casaco cinza incrivelmente gigante.

O rapaz, sentado e com um livro no colo, estava boquiaberto pela minha presença. Como é que estas pessoas me conhecem e eu não as conheço?

- E aquele ali é o Kevin. - acaba por dizer Elliot.

Kevin era maior que eu, maior que Alex, maior que Elliot, muito maior que todos nós. O seu maxilar era bem visível e contornado, o seu nariz arrebitado, tinha boca carnuda e olhos ameaçadores. Aparentava ser forte, muito forte.

Agarro na mão de Elliot e levo-o até ao corredor.

- Tu tens muito que me explicar muita coisa! - exclamo - Quem são estas pessoas e como é que elas me conhecem? E porque é que me trouxeste aqui? - as perguntas eram intermináveis, precisava de respostas.

- Calma, por favo...

- Temos uma nova visita?

Viro me para trás.
Uma rapariga ruiva está atrás de mim, empoleirada sobre o corrimão das escadas e com uma bebida alcóolica na mão. Vestia roupa justa preta, favorecendo as suas curvas.

- Quem é esta menina? - pergunta, aproximando-se de mim. Os seus saltos altos batiam no chão com muita força, tornando o ambiente desconfortável.

- É a... é a Rose - ao proferir o meu nome, Elliot baixou a cabeça com desdém e pena. Pensava que tinha sido importante para ele, de alguma maneira, mas enganei-me.

- Oh, a famosa escritora? - o seu tom de arrogância era maior que o tamanho do cabelo, e digo-vos, o cabelo era enorme - O que é que é que ela faz aqui?

Elliot fita me, procurando ajuda.

- Eu... Eu preciso de ajuda - digo. Para quê mentir? - Certamente que já ouviram as notícias, e... eu matei um homem - difícil de engolir a verdade.

- E porque haveria de te ajudar?

As suas perguntas começavam me a enervar, pelo simples facto de ela se achar superior a mim, sem sequer me conhecer pessoalmente.

- Tu não a vais ajudar, eu faço-o - responde Elliot, em voz alta mas ainda de cabeça para baixo.

- Ok, mas tu tratas de tudo, comida, quarto, esconderijos, armas - quando a ouvi dizer "armas" o meu corpo estremeceu de nervosismo - Eu não a quero ver a interferir com a minha rotina, e se ela se meter no meu caminho... - o seu rosto aproximou-se do meu, mas eu não me deixei ficar para trás, continuei de queixo erguido - já sabes.

Ela pisca me o olho e dirige-se ao que se parece com uma sala, a primeira divisão onde estive e onde conheci Alex e Kevin.

- Anda, vem comigo. - Elliot agarra o meu pulso com pouca força e conduz-me pelas escadas acima.

Alguns degraus rangiam, outros estavam soltos nas pontas, mas pelo menos encontravam-se desimpedidos de quaisquer livros ou folhas.

O andar de cima tinha um enorme corredor com portas dos dois lados.

- Este é o quarto da Alex, e o oposto é o do Kevin. - informa-me ele - E aqui é o meu. Nós não temos mais quartos, por isso ficas na minha cama e eu deito-me no chão, ok?

- Ouve, eu não quero incomodar... - digo.

- E não vais, prometo - ele olha-me profundamente, mas eu desvio o olhar para duas portas ao fundo.

- E ali, o que é? - aponto.

- A do lado esquerdo é o quarto da Jackie, a rapariga que te abordou lá em baixo. Desculpa - sussurra - E a outra, simplesmente não a abras. Nunca.

- Ok.

- Bom, já se faz tarde e aposto que ainda não comeste, pois não?

Confirmo.

- Então entra no quarto, põe te confortável. Eu tenho algumas roupas que te devem ficar grandes, mas podes usá-las. Já te trago comida. - com isto ele desce as escadas e eu abro a porta.

O quarto não era grande.
As paredes eram de madeira, como em toda a casa. A cama estava ainda por fazer, e havia alguma roupa espalhada pelo chão. Cheirava a perfume de homem e desodorizante. Sentei-me no cantinho do chão mais limpinho e abri o meu diário.

As memórias voltaram. As sensações nostálgicas invadiram-me.

FUGA IMPLACÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora