Uma Batalha de Palavras

97 13 9
                                    

"Como ele consegue?" questionei baixinho ao mercenário, observando Lothrum e Witen à nossa frente.

"Como ele consegue o quê?" Cenwulf perguntou de volta, com a face coberta pelo capuz.

"A lealdade de seus homens. Como ele consegue ter isso tão facilmente?"

Ele deu de ombros. Na estrada, duas carroças passaram por nós, forçando-nos a evitar os olhares dos civis.

"Não faço ideia," disse o mercenário. "Por que pergunta? Está com inveja?"

Encarei as costas do Tarl com trajes ocidentais. A sua montaria ergueu a cauda e deixou um rastro de bosta no caminho que seguia para Enyardeth.

Eu não tinha inveja de Lothrum. O problema era que eu não compreendia, não fazia sentido para mim os homens segui-lo tão cegamente, com uma determinação tão fervorosa. Digo isso não por Lothrum ser quem ele é, mas por conhecer os homens e seu frágil compromisso com a fidelidade.

O coração humano é fraco. Seus sonhos e ambições desfiguram qualquer visão de virtude no primeiro sinal de desejo e cobiça alcançado. O homem abraça e beija no rosto o seu senhor tão rápido quanto recebe o pagamento para traí-lo. Poucos são os que resistem as suas paixões, mantendo o amor a honra.

E dentre estes poucos, estavam os homens de Lothrum. Homens de um tarl que rejeitou toda a sua tradição e cultura, aderindo aos costumes de um povo distante. Antes, eu o julgava por ser assim até conhecer os ocidentais; até conhecer do que eles são capazes. Mas então, percebi que eu só o detestava por ser quem ele é e não pelo que ele se tornou.

Eu o detestava e continuava sem entender a devoção que ele recebia dos seus.

"Não, inveja não," respondi a Cenwulf, reflexivo. "Apenas intrigado."

"Ora, então pergunte a ele. Não sei o porquê de ficar dando rodeios em indagações ou perguntando a terceiros," ele rebateu com sua educação de sempre.

Decidi ignorar o mercenário e deixa-lo em paz com seu bom humor. Voltei minha atenção para a estrada que trazia meia dúzia de homens armados que seguiam a pé. Por ser pouco além do meio-dia, o sol nos protegia pelas costas, dando sombra aos nos rostos e ofuscando a visão de quem vinha ao nosso encontro.

Sem levantarem suspeitas, os homens cumprimentaram Witen e seguiram viagem. Tirando meu foco deles, contemplei no horizonte a vila de Enyardeth com seu gigante protetor, Garand que se erguia acima do desfiladeiro iluminado pelo sol.

Recordei-me que muitos ciclos atrás, quando eu entrava na minha juventude, eu trilhei aquele mesmo caminho para defender o Forte na mais sangrenta batalha que travara até então.

Eu era apenas um moleque que teve a ousadia de desafiar Barderok e ainda enfrentar Bahamut. Mal sabia comandar um exército e nem fazia ideia de como eram os meus inimigos, o que quase me custou a vida. Se uma certa prostituta por quem eu me apaixonara, e que viria a ser minha esposa, não tivesse se arriscado contra o grandalhão, a história de Skald agora seria outra.

Enya era o nome dela. De cachos dourados, sorriso enigmático e presença forte ela me apareceu. Até hoje eu não sei de onde ela veio ou qual a sua origem. Tudo o que sei é que ela era minha e que haviam a tirado de mim.

Witen dissera que nunca ouviu nem viu algo relacionado a uma pessoa como ela. Se ainda vivia, eu só descobriria no forte que agora crescia acima de nós.

"Daqui é melhor seguirmos ao redor da vila," disse Witen, quebrando meus pensamentos. "Tem gente demais nesse lugar para passarmos discretamente."

Confissões de um Rei - ConquistaOnde histórias criam vida. Descubra agora