Capítulo II

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Ordem e Resistência, capítulo 2:

Mal terminei as ervilhas e as batatas e já queria mais. Tinha me perdido durante meu horário de café da manhã e demorei para achar o refeitório. Cheguei lá e já era almoço. Culpa desse enorme hospital com portas de mais. Todos os corredores eram exatamente iguais. Paredes, chão e tetos tão brancos e bem limpos que doíam os olhos. Eu sabia diferenciar o rosto dos médicos mas nem sempre me lembrava de seus nomes. Carregavam por ai a tecnologia do momento que eram aquelas pranchetas que projetavam hologramas e os permitiam ver tudo com mais clareza, e nem sequer me olhavam nos olhos, então não me importava tanto. Caminhei de uma ponta à outra até descobrir que era o andar errado. Fui parar numa ala infantil e a enfermeira me explicou o que fazer. Tarde demais. Almoço.

Peguei o maldito cardápio do dia, sopa de ervilhas, pedaços de peixe com batata, alface e suco de laranja, e me sentei à janela. O vento batia em meu rosto e me dava uma sensação de liberdade. O estacionamento à céu aberto era minha vista e mais ao longe, bem no horizonte, podia vislumbrar a pequenina silhueta da Torre Eiffel, no meio de outros prédios e parques.

-Me sinto no colegial mais uma vez -uma voz falou atrás de mim e logo um homem de pele negra, cadeira de rodas e sorriso no rosto se encostou na minha mesa com sua própria refeição. -Não concorda Earine?

-Não me lembro do colegial, Páris. Sabe disso. E porque alguém iria comparar um hospital à uma escola?

-Fila para um almoço ruim, diferentes grupinhos sentados sempre nas mesmas mesas... A única diferença é que sou um dos veteranos populares -Reviro os olhos. Paris não parava de inventar coisas. Estava ali por ter fraturado praticamente todas as costelas e danificado de alguma forma a coluna, o impossibilitando de andar, mas não para sempre. Estava em repouso e fazendo tratamento.- Temos o grupo da fisioterapia (eu podia estar lá), o grupinho dos de recente ossos quebrados, os idosos...

Um papel caiu sobre a mesa e tinha uma mensagem com caligrafia delicada nele dizendo: 'Se continuarmos dando ouvidos à ele vamos ter que nos juntar ao grupo do dano cerebral.' Nem precisei olhar para saber que quem o jogara fora Doreen, uma meiga e delicada amiga de Páris que se juntava à "nossa" mesa de vez em quando.

-Eu já faço parte desse grupo, esqueceu? -Eu falo e ela toca gentilmente meu ombro, me lançando um olhar de desculpas. -Sem problemas, aprendi a viver com isso.

-Um rosto tão delicado e uma mente tão maldosa. Me machucou sabia?- Páris lançou um olhar riste para Doreen.

Com os olhos e cabelos castanho-escuro presos num coque, o rosto branco e magro e lábios finos ela parecia uma bonequinha de porcelana. Delicada da cabeça aos pés. Imaginava se sua voz seria suave, quase como um canto, pois jamais ouvira a voz dela. Doreen tinha sofrido algum tipo de sequestro bastante violento, claro que não me lembro direito, e saído de lá muda. A tecnologia permitia concerto para isso e é por isso que ela "morava" por ali. Sua dieta era baseada em sopa, um verdadeiro caldo, pois era um tratamento estressante e dolorido. Ela mal mexia o pescoço e não abria muito a boca.

O relógio na parede marcava meio-dia em ponto. Dentro de uma hora eu teria uma consulta com a Dra. Piotto, no prédio sul. Esse prédio do hospital era calmo, com os quartos, várias salas de fisioterapia e o refeitório, além de várias alas especiais para crianças, idosos e pacientes com deficiência mental. O sul era onde a ação acontecia de verdade. As salas de cirurgia, partos, emergências, e, por algum motivo, minhas sessões com a psicóloga.

-E a ruiva? -Páris me encara.

Levo um tempo para entender e então respondo que continuava a mesma coisa. "Frustrante" ele resmunga. E está certo. Eu não era a única moradora do quarto 713. Solana Johnson, uma ruivaa de pele clara o dividia comigo, mas estava em coma. Os médicos diziam que sua situação era estável e que ela devia voltar logo. Era o que eu esperava, pois tínhamos sobrevivido à mesma queda do mesmo avião.

Ordem e Resistência [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora