Capítulo V

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Ordem e resistência, capítulo 5

A sala era um pouco sinistra. Tinha apenas uma mesa com uma pequena câmera e uma jarra d’água, um retroprojetor que enviava imagens para uma parede branca à direita da porta e a janela com pesadas cortinas pretas. Só. Ela indicou para que eu me sentasse e foi o que eu fiz. Dafne sorriu.

-Acho que isso não vai ser fácil, Earine –ela se serviu de água e me ofereceu. Recusei.- Nem sei por onde começar.

-Fácil. Por que me trouxe aqui?

-Para te proteger dos rebeldes. Não era nenhum segredo que eles iam tentar te capturar. Foi sorte sua doutora me avisar assim que os viu e chamar ajuda.

-Não entendo. Por que eles iriam querer me pegar?

-Chantagem –ela terminou a água e se apressou em pegar mais.- Iriam querer que eu fizesse o que eles mandassem para te manter a salvo.

-E porque se importa? –desconfiei.

Ela respirou fundo e tirou uma coisa do bolso. Estendeu-o para mim. Desdobrei o pedaço velho de papel e descobri uma foto. Era uma versão mais nova de  Dafne, uma outra moça que devia estar com vinte e poucos anos e uma criança entre as duas. Quase engasguei ao dizer as palavras.

-Minha mãe?

O rosto sorridente dela me encarava, feliz. Eu, pequenininha, dava a mão para ela, mas não parecia feliz. Tantas memórias vieram à mina cabeça. Tantas sensações, tantos bons momentos...Achei que ia acabar entrando numa espécie de colapso e me entregar completamente às emoções, mas apenas respirei fundo e disfarcei tudo o que sentia. Aquela ali na foto era minha mãe. A outra ao lado dela era minha avó.

-Vovó? –Então eu chorei. Chorei tanto quando o dia em que acordei do coma. Ela me abraçou e chorou comigo. Me senti envergonhada.

-Está tudo bem, minha netinha, vai ficar tudo bem.

Levamos, nós duas, um tempo para nos acalmarmos. Finalmente aceitei a água e ela me explicou mais algumas coisas.

-Quando soube que seu avião tinha sofrido um ataque eu...

-SOFRIDO UM ATAQUE? –Cuspi toda a água na mesa.

-N-não te contaram isso? –Acho que ela gaguejou por ver minha reação. Eu neguei, ainda de olhos arregalados.-Bom, ele estava pousando e foi atacado. Consequentemente caiu e dei graças a Deus que você não estava morta.

-E o que eu estava fazendo naquele avião? Para onde estava indo? –Estava tão sedenta por respostas. Era a minha vida que estava ali, nas mãos de minha avó.

-Estava voltando para casa. Esteve na Espanha me ajudando com os rebeldes de lá. Infelizmente a Resistência Francesa descobriu do seu voo e te atacaram. Solana estava lá. Ela era a informante. Arriscou a vidinha nojenta dela para te manter naquele avião e conseguir o que queria. Quando você recobrou a consciência no hospital e ela não, fiquei muito contente, mas Carola me pediu para não adiantar as coisas pois poderia ser de mais para você. Ai veio Páris. Ele era o infiltrado do hospital, com o falso problema de coluna ele não desgrudava de você e de sua prima. Foi tanta sorte Carola me avisar sobre o ataque deles. Salvei as duas.

-P-prima? De quem está falando?

-De Doreen. Fora resgatada de um sequestro e ficou em recuperação no hospital. Páris estava lá e não largava das duas, até receber os reforços quando Solana acordou e tentar te levar com eles. Mas o importante é que tenho você aqui comigo.

Não dissemos nada uma para outra por um momento. Me lembrava da minha mãe. Me lembrava de minha avó. E me lembrava de coisas boas ao lado de Doreen. Como não me lembrava daquela casa tão grande e confortável?

-Se te conforta, cumpriu muito bem seus deveres na Espanha. Estava lá para cooperar com informações nossas que ajudariam a encontrar alguém importante da Resistência: a líder. Enquanto estava voltando, ela foi declarada, tanto pela Ordem quanto pela Resistência, desaparecida. Alguns acham que está morta ou que foi capturada, não sabemos ao certo, mas foi por isso que a Resistência francesa tomou medidas drásticas contra você e eu.

Respirei fundo e assimilei tudo o que havia acontecido até ali. Lembranças tão vagas de minha avó e minha prima. Onde será que ela estava? Batidas na porta tiraram minha concentração.

-O almoço será servido em alguns minutos, comandante –era a voz de Marco.

-Certo –Dafne respondeu.- Já estaremos lá.

Ela se levantou e abriu a janela, deixando o ar frio do fim de Janeiro passar pela janela e secar minhas lágrimas.

-Quero ver minha prima prime –eu finalmente disse.- Quero ver Doreen, onde ela está?

Minha avó me encarou por um tempo antes de responder que estava no quarto em frente ao meu, no andar de baixo.

-Acho que ela ainda está se recuperando da última noite no hospital. Vou mandar Marco te chamar para o almoço em cinco minutos. Te vejo lá querida.

E foi embora. Eu demorei um pouco para parar de encarar a fotografia e guardá-la no bolso. Saí da sala e desci as escadas. A torre ainda estava ali, embelezando minha vista. De acordo com minha nova avó o quarto de minha nova prima era atrás da porta que eu encarava. Respirei bem fundo e bati na porta. Fiquei um pouco parada até me lembrar que ela jamais me diria se posso ou não entrar, então abri uma fresta na porta.

Doreen estava deitada na cama com a televisão ligada num canal de notícias. Com a cabeça apoiada em muitos travesseiros ela não virou o pescoço para me ver. Não usava mais a “coleira” mas ainda assim parecia com dor. Eu me sentei ao seu lado e não me contive em lhe dar um abraço.

-Ela me contou –eu falei para Doreen. Ela franziu a testa, confusa.- Lembrei de algumas coisas Doreen. Lembrei de você e da vovó.

Ela não tirou a expressão de confusão do rosto. Soltei ela e me expliquei. Contei sobre o que Dafne me dissera, sobre o ataque aéreo, a ajuda de Dra. Piotto no hospital e lhe mostrei a foto. Doreen olhou bem aquelas figuras e algumas lágrimas escorreram do seu rosto. Não soube definir que tipo de lágrimas eram aquelas. Se estava feliz por eu ter me lembrado, aliviada ou com dor na garganta, por que sua testa continuava franzida.

-Recebemos agora uma atualização sobre o ataque dos rebeldes de ontem, sábado, dia 29, ao Hôpital Notre Dame de Lourdes –a voz vinha de uma apresentadora na televisão. Passei minha atenção para lá.- A integrante da Resistência, Solana Johnson, estava internada lá após sofrer da queda do voo 8408. Funcionários acreditam que tenha sido através dela que os outros integrantes tiveram acesso ao hospital, embora os policiais e oficiais da justiça desconfiem que eles tenham escalado até o sétimo andar do hospital. Quatro pacientes de áreas diferentes de tratamento, incluindo a própria Solana, e uma médica neurologista e psicóloga continuam desaparecidos.

A apresentadora passou para outro assunto e Marco bateu na porta. Com um sorriso, pediu que eu o acompanhasse. As lágrimas de Doreen ainda não tinham parado.

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