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Daí a pouco, entre as vistas interrogadoras dos curiosos, atravessou a Praça do Comércio um rapaz bem parecido, que ia acompanhado pelo cônego Diogo e por Manuel.

A novidade foi logo comentada. Os portugueses vinham, com as suas grandes barrigas, às portas dos armazéns de secos e molhados; os barraqueiros espiavam por cima dos óculos de tartaruga; os pretos cangueiros paravam para "mirar o cara-nova".

O Perua-gorda, em mangas de camisa, como quase todos os outros, acudiu logo à rua:

— Quem será esse gajo, ó coisa? perguntou ele ruidosamente a um súcio que passava na ocasião.

— Algum parente ou recomendado do Manuel Pescada. Veio do Sul.

— Ó aquele! sabes quem é o lanceiro que vai com o Pescada?

— Não sei, homem, mas é um rapagão!

Manuel apresentou o sobrinho a vários grupos. Houve sorrisos de delicadezas e grandes apertos de mão.

— É o filho de um mano do Pescada... diziam depois. Conhecemos-lhe muito a vida! Chama-se Raimundo. Estava nos estudos.

— Vem estabelecer-se aqui? indagou o José Buxo.

— Não, creio que vem montar uma companhia...

Outros afiançavam que Raimundo era sócio capitalista da casa de Manuel. Discutiam-lhe a roupa, o modo de andar, a cor e os cabelos. O Luisinho Língua de Prata afirmava que ele "tinha casta".

Entretanto os três subiam a Rua da Estrela.

Chegados a casa, onde já havia pronto um quarto para o Sr. Dr. Raimundo José da Silva, o cônego e Manuel desfizeram-se em delicadezas com o rapaz.

— Benedito! vê cerveja! Ou prefere conhaque, doutor?... Olha moleque, prepara guaraná! Doutor, venha antes para este lado que está mais fresco... não faça cerimônias! Vá entrando! vá entrando para a varanda! O senhor está em sua casa!...

Raimundo queixava-se do calor.

— Está horrível! dizia ele, a limpar o rosto com o lenço. Nunca suei tanto!

— O melhor então é recolher-se um pouco e ficar à vontade. Pode mudar de roupa, arejar-se. A bagagem não tarda aí. Olhe, doutor, entre, entre e veja se fica bem aqui!

Os três penetraram no quarto destinado ao hóspede.

— O senhor, disse Manuel, tem aqui janelas para a rua e para o quintal. Ponha-se a gosto. Se precisar qualquer coisa, é só chamar pelo Benedito. Nada de cerimônias!

Raimundo agradeceu muito penhorado.

— Mandei dar-lhe cama, acrescentou o negociante, porque o senhor naturalmente não está afeito à rede, no entanto se quiser...

— Não, não, muito obrigado. Está tudo muito bom. O que desejo é repousar um pouco justamente.

Ainda tenho a cabeça a andar à roda.

— Pois então descanse, descanse, para depois almoçar com mais apetite... Até logo.

E Manuel e mais o compadre afastaram-se, cheios de cortesia e sorrisos de afabilidade.

Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro se não foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica da sua fisionomia era os olhos — grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis; pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido; as sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz.

O Mulato (1881)Onde histórias criam vida. Descubra agora