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No dia seguinte, por todas as ruas da cidade de São Luís do Maranhão, e nas repartições públicas, na praça do comércio, nos açougues, nas quitandas, nas salas e nas alcovas, boquejava-se largamente sobre a misteriosa morte do Dr. Raimundo. Era a ordem do dia.

Contava-se o fato de mil modos; inventavam-se lendas; improvisavam-se romances. O cadáver fora recolhido pela Santa Casa de Misericórdia; procedeu-se a um corpo de delito; verificou-se que o paciente morrera a tiro de bala, mas a polícia não descobriu o assassino.

Nessa mesma tarde os caixeiros de Manuel, vestidos de luto, entregavam de porta em porta a seguinte circular

"Ilmo. Sr.

Manuel Pedro da Silva e o cônego Diogo de Melo Freitas Santiago participam a V.S.ª que acabam de receber o profundo golpe do falecimento de seu prezado e nunca assaz chorado sobrinho e amigo Raimundo José da Silva; e, como o seu cadáver tenha de baixar ao túmulo, hoje às 4 e 1/2 horas da tarde, no cemitério da Santa Casa de Misericórdia, esperam receber de V.S.ª o piedoso obséquio de acompanhar o féretro da casa de seu inconsolável tio à Rua da Estrela n.° 80, pelo que desde já se confessam eternamente agradecidos.

Maranhão, etc, etc "

A Misericórdia cedeu uma sepultura mediante a quantia de 60$000. O enterro foi a pé e bastante concorrido. Muitos negociantes acompanharam-no por consideração ao colega; grande número de pessoas por mera curiosidade.

O cônego ungiu o cadáver com água benta e encomendou-o a Deus.

Maria Bárbara para completo descargo de sua consciência e porque soubessem que ela não tinha mau coração, prometeu uma missa por alma do mulato.

Dias só apareceu em casa à tarde, à hora do saimento. Notaram que o bom rapaz muito se sentira daquela morte e que, no ato de baixar o caixão à sepultura, afastara-se de todos, naturalmente para chorar mais à vontade. Não constou a ninguém, além dele e o cônego, tivesse chorado.

De volta do cemitério, Freitas, em conversa com os caixeiros de Manuel, mais o Sebastião Campos e o Casusa, lamentou com palavras finas o lastimável falecimento do infeliz moço, e disse que sentia bastante não ter a polícia descoberto o autor do crime; mas que, segundo a sua modesta opinião, aquilo fora, nada mais, nada menos, do que um suicídio, e que Raimundo viera até à porta da rua nas agonias da morte.

— Uma fatalidade! rematou ele, filosoficamente, a espanar com o lenço os seus sapatos envernizados. — Não me posso conformar com o diabo deste pó vermelho de São Pantaleão!... mas creiam que me comoveu bastante a morte do pobre Mundico! Era um moço hábil... Tinha muita habilidade

para fazer versos...

— E muita presunção, vamos lá!

— Não, coitado! tinha seus estudos, tinha! não se lhe pode negar!...

— Mas também não era lá essas coisas que queria ser!...

— Ah, sim, não digo o contrário... Concordou delicadamente o pai de Lindoca porque não tinha por costume contrariar ninguém.

— Uma fatalidade!... repetiu, meneando a cabeça

— E talvez não fique nesta!... observou Sebastião. A pequena está bem perigosa!...

— É! Ouvi dizer que sim.

— O Jauffret mandou que a carregassem para fora.

— Segue, num dia destes para a Ponta-d'Areia.

— Não. Para o Caminho Grande.

— Ah! Ela era perdida pelo Raimundo!...

— Tolice...

O Mulato (1881)Onde histórias criam vida. Descubra agora