Novo começo

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"Entrego o dinheiro à diretora do orfanato e saio em direção à sala escondida.

Dentro do bolso, embrulhado numa folha de jornal, está um pequeno presente que comprei com o dinheiro que juntei do meu trabalho como vendedor de jornais nos últimos sete meses.

Se a diretora souber que não lhe cheguei a dar o dinheiro todo que ganhei vou arranjar sarilhos. Se bem que agora é tarde.

Dou cinco toques na porta antes de entrar. O Gadreel está deitado no sofá empoeirado com os olhos fechados, os quais se abrem assim que me vê entrar.

-Como correu o trabalho?

-O mesmo de sempre. - sentei-me junto dos seus pés - Quando é que fazes anos?

-Porquê a pergunta?

-Somos amigos à tantos meses e ainda não sabemos esse tipo de coisa um do outro. Eu faço anos dia 25 de fevereiro. Agora tu.

-O meu aniversário não é uma data que goste de recordar...

-Então o que achas de teres uma nova data para ser especial?

-E podemos escolher um dia assim do nada?

-Passa a ser uma coisa só nossa. Os amigos têm coisas desse género. Seja qual fosse a tua antiga data, passas a celebrar os teus anos hoje.

-Hoje?! Porquê hoje?

-Porque não hoje?

-Bem visto. Já que são os meus anos, o que vamos fazer?

Tirei o pequeno embrulho de dentro do bolso do casaco e entreguei-lhe. Os seus olhos repletos de curiosidade.

-Parabéns!

-Obrigado. Eu não sei o que dizer.

-Apenas abre.

Com cuidado, o papel é retirado, revelando um Stingray Corvette de 69, vermelho, em miniatura.

-Ele é lindo! Muito obrigado, Tchétché! - os seus braços envolvem a minha cintura num abraço apertado - Tu já devias ter planeado esta conversa mas muito obrigado mesmo! É o melhor primeiro novo aniversário de sempre!

Havia um sorriso enorme no seu rosto. Era algo tão contagiante que também não consegui não sorrir.

Durante os últimos meses o Joseph só nos chateou três vezes antes de desistir de vez. O Gadreel acabava com ele cada vez com mais facilidade.

Tem apenas seis, agora sete, anos mas a personalidade forte dele e o treino de artes marciais que começou a ter com quatro anos ajudou a derrotar um rapaz de nove anos.

Também é muito exigente. Todos os dias obriga-me a correr até não aguentar mais. Já não bastava ter de andar de bicicleta para vender jornais.

Ele diz que antes da força vem a resistência, por isso até eu não demonstrar muito cansaço não pude começar a treinar para ganhar força. Já perdi a conta de quantos baldes com pedras já carreguei.

Também já faz um mês que ele me começou a ensinar como devo lutar e me defender.

-Hoje não vais ter treino.

-A sério?

-Sim. Tu mereces um dia de descanso.

-Pareces um velho quando te armas em professor.

-Ei! - ele deu-me um murro ao de leve no meu ombro - Não tenho culpa se sou sobredotado.

Os seus olhos arregalaram-se.

-Por favor, não contes a ninguém.

Havia desespero na sua voz. Como se ser sobredotado fosse algo que já lhe fez muito mal.

-Não direi.

O mais novo sentou-se no chão e começou a brincar com o carrinho para se distrair.

Tão pequeno mas com tantos segredos.
O que te aconteceu antes de vires para o Orfanato Família dos Anjos?
O que é que fazes quando estou fora? E quando desapareces sem avisar e tenho de te encobrir? Do que é que tens tanto medo? Porquê, de todas as pessoas, quiseste ser meu amigo?

-Tchétché. - a sua voz interrompe os meus pensamentos.

-Diz.

-Vamos ficar para sempre juntos. Esse é o meu desejo de aniversário. - encaro o dedo mindinho esticado na minha direção - Não importa o que aconteça. Prometes?

-Prometo, Gadreel. - selei a promessa com o meu mindinho - E tu, prometes?

-Prometo."

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