ela, sem nome, prestes a perder os olhos

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Ela não tinha nome, porque a definição de mundo e pessoas mudara. Ela era jovem e usava uma camada de tecido metálico que, muito antes do tsunami, era conhecido como vestimenta. Sustentador térmico, ela sabia: um vestido azulado que ia até o começo dos joelhos. Ao redor do pescoço, uma gargantilha estelar e lilás a sufoca. Ela passeia entre as pedras para se distrair do desconforto.

Seus pés deslizam e ela escorrega num objeto retangular e dourado. Uma caixa curiosa, diferente das que conhecia. Confusa, a sem nome a pega do chão e analisa seu conteúdo. Eufórica, abre a caixa.

Há um papel com escrituras, gasta nas dobraduras, prova do tempo. Ela não sabe que existe muito antes de si mesma, e que permanece até a formação do próximo mundo. Não se importou, assim como era ensinada a lidar com o passado de cegueira humana.

Com as mãos tremendo, ela lê.

29 de Maio de 2465

Estou sufocado. Há essa coleira lilás, enfeitada com uma estrela brilhante, em pescoços alheios. Estou assustado. Dizem que nascemos para cair. É o destino. Eu odeio. Odeio porque amo a vida. Ela é uma coisa tão preciosa que, por ironia, ninguém se importa. A vida é primogênita porque é a dor de um filho que nunca nasceu, de uma primeira alma que escorrega pela beira do universo. É por isso que a desperdiçamos de encontro à morte. 

Estou desesperado. Talvez eu seja como todos eles, merecendo morrer de primeira, afogado no próprio vômito. Penso que amo do jeito que as coisas devem ser amadas, mas, talvez, lá no fundo, eu saiba que a dimensão do egoísmo é maior do que o prazo das consequências. A força é maior do que cabe na ferida e eu a tampo com palavras bonitas para amenizar a estupidez interior. Dedilho pensamentos em caminhos paralelos, apontando e culpando qualquer outra pessoa, porque só a suficiência dessa beleza rasa se encaixa na futilidade da poesia. Ainda não dá certo. Tento uma última vez, rearranjando o mundo de amanhã para depois de amanhã, uma realidade que nunca vai ser minha, os golfinhos vão embora e nem as estrelas ou sorrisos me permanecem. Nem eu mesmo sou o que sou! Estou extenuado de apontar para os mesmo lugares ao invés de me deixar ir.

Ontem, sonhei com um par de pérolas disléxicas, porque se deixar levar pela paisagem é melhor do que o perdão. Porque negamos nossa culpa no medo de corroer até sumir. No fim, não significamos nada. Não queremos que esse seja o destino final, embora seja impossível escapar. "O útero fértil, intangível a luz, encolhendo aos poucos, porque eles sabem de si próprios e que o mundo lá fora se escreve no fim de si mesma" e coisas assim. Só que essa falta de merecimento não termina por aí. No fim, ela existe porque escolhemos nos afundar sem agarrar. E eu sinto muito. Acho que perdi meus olhos.

Ao terminar de ler, a garota sem nome (que nunca precisou de um), joga o papel de volta na caixa e a tranca com força. Ela toca a coleira no pescoço.

Perde os olhos aos poucos, cedendo ao inanimado, ao submisso de si mesma. E, antes que comesse a chorar, ela arrebenta o colar do pescoço sufocado e corre na direção oposta.

A vida se arrasta em coincidências até a escolha final: desgraça ou divindade. As palavras escapam. As coisas viram de cabeça para baixo. Ninguém escolheria a divindade, pode acreditar. Ela ganha a cobiça dos outros, o desejo mais inalcançável.

Um par de pérolas disléxicas.

[...]

bem, agora que chegamos ao fim, deixarei aberto para livre interpretação. espero que tenham gostado. além do mais, queria mostrar a imagem na qual me inspirei para escrever esta história:

 além do mais, queria mostrar a imagem na qual me inspirei para escrever esta história:

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ㅡ suffocated. stray kids | jeonginOnde histórias criam vida. Descubra agora