Pessoas que virão depois de nós...

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Assim que a entrega dos presentes foi realizada, todos os agradecimentos e comentários feitos, os dois casais e a menina saíram apressados para irem diretamente para a cachoeira, onde provavelmente o restante da família já deveria estar à espera deles. Assim que se aproximaram dos carros, Brariana pediu:

- Papai, mamãe. Eu quero ir no carro com o tio Lu e com o tio Távio. – Ela tinha aquele olhar que, mesmo tendo só quatro anos recém completados, ela já sabia que conquistava os pais e a todos. – Por favor?

- Claro, filha! – Respondeu Brandão.

- Mas antes pergunte aos seus tios se pode. – Completou Mariana.

A menina então correu para os tios, já sabendo que, com certeza, a resposta deles seria sim. E não deu outra.

- Acho melhor então eu dirigir agora, Major. – Disse Luccino, acomodando a pequena Brariana no banco de trás. – Temos uma passageira ilustre conosco agora.

- Ah! – Otávio suspirou, vencido, já tirando as chaves do bolso para entregar ao companheiro. – Está cer...

- NÃO! – Gritou Brariana, chamando a atenção dos pais e dos tios com um sobressalto. – Eu adoro quando o tio Távio dirige. Lembra, tio, naquele dia em que eu dormi na casa dos srs. e na manhã seguinte o sr, tio Lu, deixou o tio Távio nos trazer de volta para a minha casa?

- Lembro, minha pequena. – Respondeu Luccino. – Mas é que...

- Não. – A menina era irredutível. – Quando o tio Távio dirige é emocionante, quase me sinto voar. Por favor, hoje é o meu aniversário. E papai me disse há alguns dias que, no dia do aniversário de alguém, todos os desejos bons da pessoa devem ser realizados. Não é verdade, pai?

Todos olharam para Brandão, que levantou as mãos assumindo a culpa.

Luccino se aproximou de Mariana e de Brandão de modo que só os dois pudessem ouvir, enquanto Brariana e Otávio pulavam, confabulando como seria ótimo que ele dirigisse.

- De onde será que Brariana puxou esse desejo por aventura e perigo, Sra. Mariana Brandão Benedito? – Os três amigos riram, enquanto Mariana se fazia de desentendida.

- Não faço a menor ideia, meu amigo.

Todos os preparativos feitos, Luccino entregou para Mariana e Brandão a cesta de piquenique que ele havia preparado, ajeitando no carro de Brandão junto da que o coronel também havia feito, para que Brariana tivesse todo espaço para poder se segurar caso Otávio fizesse alguma manobra brusca demais.

- Preparada, minha pequena esgrimista? – Perguntou Otávio, olhando para a sobrinha, enquanto dava partida no carro.

- SIIIMMM! – Brariana ria, já animada.

- Segure-se bem, meu amor. – Advertiu Luccino.

- Eu estou bem, ti Lu. – A menina era só sorrisos. – O tio Távio dirige bem. Ele dirige "com aventura".

Otávio sorriu contente e se virou para Luccino.

- Pelo menos alguém aqui admite que eu dirijo bem. E gosta.

Luccino revirou os olhos, mas não pôde deixar de sorrir.

A viagem transcorria relativamente bem, a não ser por alguns trancos que Otávio de vez em quando dava no carro enquanto trocava de marcha, o que arrancava gargalhadas da pequena sentada no banco de trás.

- De novo, tio. – Ela pedia, rindo e se segurando no banco.

Mariana e Brandão seguiam mais à frente. Os cabelos de Mariana mesmo curtos, ainda balançavam ao vento, assim como os da filha.

- Tio Lu, tio Távio. – Começou Brariana. – Posso fazer uma pergunta?

- Claro, pequena esgrimista. – Respondeu Otávio concentrado no caminho à frente.

- Todas que quiser, minha pequena. – Disse Luccino, se virando um pouco para trás para olhar para ela. – O que quer saber?

- Sabe, há alguns dias eu perguntei à mamãe e ao papai porque vocês dois não se casam. Ela me disse que uma pergunta dessas era melhor ser feita a vocês.

Otávio deu uma estancada brusca no carro ao ouvir aquilo, o que fez o veículo morrer e a pequena garota gargalhar. Luccino deu um tapa de leve no ombro dele, que se recuperou do momento e voltou a dar partida no carro e guia-lo.

- Então. – Continuou a pequena Brariana com um olhar inquiridor. – Por que vocês não se casam como todas as outras pessoas que eu conheço e que se amam?

- Meu amor, - Luccino começou a responder, escolhendo as palavras com cuidado para que a menina pudesse entender bem. – Seu tio Távio e eu adoraríamos nos casar como todas as outras pessoas que se amam. Mas, muitas dessas mesmas pessoas não aceitariam o nosso casamento. Achariam algo errado, algo ruim.

- Só por vocês serem homens? – A menina coçou atrás da cabeça. Uma mania que de tanto conviver com Luccino, havia adquirido. – Mas que besteira. Meus pais sempre me falam que no fim, tudo o que importa é o amor.

Otávio e Luccino estavam com os olhos marejados.

- Mas e você, meu amor? – Perguntou Otávio. – Gostaria muito que seu tio Lu e eu nos casássemos?

- Eu? – Brariana abriu o maior dos sorrisos. – Eu ia adorar. Deixariam que eu fosse a daminha de honra?

Agora foi a vez de Luccino e Otávio gargalharem.

- Você seria a melhor daminha de honra que todo esse Vale do Café haveria de conhecer. – Disse Otávio.

- Mas tem uma coisa que me deixa triste. – Disse a menina abaixando os olhos.

- O quê? – Perguntaram Luccino e Otávio ao mesmo tempo.

- Mamãe e papai me disseram que ninguém pode saber sobre os srs., meus tios. E também que não podem andar de mãos dadas por aí, terem apelidos, revelar o amor. Isso me deixa triste.

Agora sim Luccino e Otávio tinham lágrimas nos olhos.

- Minha pequena, - Disse Otávio. – Você se parece tanto com a sua mãe. Mas veja pelo lado bom, seu tio Lu e eu estamos bem, vivendo juntos na nossa casinha, temos uma sobrinha linda e maravilhosa como você, que consideramos como nossa filha. Se não fosse pelo amor que seu tio e eu sentimos um pelo outro e os incentivos que seus pais nos deram durante todo o tempo, não teríamos nada disso.

- Sim. – Continuou Luccino. – Muitas pessoas que são como nós, que não tem apoio das famílias e nem dos que dizem ser amigos, estão em situações horríveis. Vivendo clandestinamente, internados, presos. Seu tio e eu temos sorte de termos as melhores pessoas do mundo ao nosso lado.

A pequena sorriu.

- Eu sou uma delas?

- Vou te contar um segredo. – Luccino abaixou a voz como se fosse contar o maior segredo do mundo e como se não estivesse apenas eles três ali no carro. – Você é uma das mais importantes. Sabe por quê?

- Por quê? – Perguntou a menina também em voz baixa e de olhos bem abertos.

- Porque, - Continuou Luccino, - dependerá de pessoas como você, pessoas que virão depois de nós, seus filhos, caso você os queira ter, seus sobrinhos, seus netos, pessoas que você ensinará que o amor é para todos e que todas as formas de amor valem a pena.

A menina ficou radiante.

- Eu posso mesmo fazer isso?

- Claro que sim, meu amor. – Disse Otávio. – Mas acho melhor agora se preparar para o seu piquenique. Chegamos. E olhe só quanta gente veio para o seu aniversário, minha pequena esgrimista.

E no fim será Lutávio...Where stories live. Discover now