Eu e meus irmãos gostávamos de brincar com os filhos do vizinho, mas nunca podíamos, porque nosso pai não deixava. Nós só nos divertíamos quando meu pai estava bêbado, só dessa forma ele permitia ou quando dormia.
Ao lado do terreno onde era nosso barraco havia outro terreno baldio com algumas árvores de cuca e João-bolão, e nelas nós subíamos para brincar e pegar as frutinhas comestíveis. Fazíamos balança e lá estava à diversão. Brincávamos de pega-pega, esconde-esconde, soltávamos pipas, “capuchetas” feitas com papel de caderno, jogávamos futebol. Nesse terreno tinha muito mato, mas mesmo assim conseguíamos fazer as nossas brincadeiras. A diversão acabava quando nosso pai saia atrás de nós atirando pedras para não brincarmos, nós nos escondíamos nas árvores, subíamos no topo só para meu pai não nos acertar com as pedras atiradas, descíamos apenas quando ele desistia de nos procurar ou quando dormia após beber muito.
Quando nós ganhávamos brinquedos meu pai jogava fora na loucura da bebida, não deixava nós sermos crianças normais iguais às outras.
Não comemorávamos aniversários, nem passava pela nossa memória se alguma vez isso aconteceu. Minha irmã Roseli tinha uma breve lembrança do pai jogando salgadinho para animar o aniversário dela. Mas nada, além disso.
A falta de condições na nossa infância, não permitiu que nenhum de nós fôssemos levados ao parque, passearmos no shopping, tomar sorvete, comprar um lanche, roupas, calçados, brinquedos, fazer uma festa comemorando uma data especial, essas coisas simples. Nosso pai não demonstrava muito que se importava com esses detalhes, só queria que nós ficássemos ajudando em suas tarefas ou ajudar a nossa mãe a limpar a casa.
Não deixava crescer meu cabelo, nem o das minhas irmãs, vivíamos com cortes de homem, ele que cortava não sabíamos o porquê disso. Apenas obedecíamos a sua decisão.
Uma das poucas coisas legais que fazíamos juntos em família era quando estava o clima de verão e meu pai brincava de jogar água em todos, esses foram momentos de diversão, todos nós brincávamos e por alguns instantes esquecíamos-nos da vida sofrida que levávamos no dia a dia.

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A infância
Non-FictionA estória relata fatos das dificuldades que eu e meus irmãos passávamos com nossos pais desempregados. Quando erámos crianças, precisávamos pedir esmola para termos o que comer em casa. Uma história de superação e recomeço.