Sala mista

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Eu sou meio perdido nesse internato mesmo que tenha chegado cedo, cheguei mais o menos quando tinha uns 7, meus pais estavam aparentemente mais interessados em ficar sozinhos em casa que cuidar de mim, é até compreensível tendo em vista que fui uma criança insuportável.
Eu só espero que eles venham me ver próximo mês... eles me prometeram que vinham, mas como sempre, estou à espera de uma desculpa esfarrapada como uma reunirão importante, um negócio para fechar, ou que esqueceram o dia; sinto falta deles sim, não posso negar.
Não vou ficar aqui me lamentando e me fazendo de coitado, estou longe disso e se tem algo que me enche mais que gente que se faz de vítima é o drama por isso.
Fui levado de meus pensamentos por escutar uma voz.
- Matheus!- uma voz calma quase como um sussurro.
- Bia!- sorri.
Ela, minha amiga desde que eu havia chegado naquele lugar, minha instrutora de música! Ela me fez gostar de piano e toca divinamente bem, é bem eufórica,  é doidinha, mas quando se fala de música não tem pessoa melhor para debater! Sempre nos encontramos na sala de música, especialmente nos fins de tarde quando a sala fica com o movimento quase zero.
- Ensaiou a partitura que eu te dei?- ela disse sentando de maneira despojada no banco.
- Bia eu juro que eu tentei mas sua letra é horrível!- eu debochava.
- Fala isso de mim, mas a sua também não é das melhores senhor caderninho de caligrafia!- ela puxou o meu caderno da bolsa.
- Touché.- eu levantei os braços em sinal de rendição, ela riu em resposta.
- Agora cala a boca e toque- ela disse se aproximando e sentando de costas para mim no banco do piano.
A medida que eu tocava ela passava a mão pelo ar como se tocasse nas notas, muda quase imperceptível... respiração funda e audível, naquele momento ela respirava aquela composição. Assim que terminei de tocar ela fez uma careta virou-se para mim e disse dura:
- Você tem que respeitar as pausas! E ainda está errando! Matheus você toca bem, mas você não sente nada! Você tem que sentir Matheus! Sentir! Você só toca nas teclas! Como espera tocar os outros com essa..essa! Aaahhhg! Essa sua mão engessada!- ela esbravejou, e eu não me surpreendi.
- Eu não toco para os outros Bia, você e eu sabemos disso.- eu ri, mas ela não pareceu gostar nenhum pouco.
- E para você? Você não toca?! Você está se mostrando frio e sem tom, uma verdadeira sinfonia desarmoniosa! Você é assim?- ela subiu uma das sobrancelhas.
- Claro que não Bia!- eu ria achando graça até que ela disse:
- Levante-se e saia do piano, eu não to de brincadeira- ela realmente não estava, ela se sentou onde eu estava e completou- diga um sentimento.
- Felicidade.
- Olha você tocando- ela tocou a música toda certa como era- viu?
-Vi o que?
- Não tem sentimento! Olha isso, você me deu felicidade...- ela respirou fundo fechou os olhos, pondo as mãos nas teclas, e pois se a tocar aquela mesma melodia, mas agora estava uma música animada e feliz- sente a diferença?- ela disse respirando fundo balançando a cabeça com os olhos fechados, como se alguém mexesse em seu pescoço.
Eu pasmei e disse:
-Tristeza!
Ela com as árduas mãos, mudou a força nas teclas demorando mais entre uma nota e outra, a mudança foi tanta que me doeu... não demorei mais e soltei outra:
- Melancolia!
Ela fechou mais olhos e franziu a boca com amargor como se sentisse... ela fez o silêncio da sala se tornar um lugar tenso e pálido... era assombroso como ela fazia aquilo!
-Raiva!
A expressão dela mudará mais uma vez! Agora ela tinha uma mão firme e rápida como se descontasse nas teclas. Ela parou arrumou o cabelo e finalmente quebrou o silêncio entre nós.
- Você não pode se prender a partitura, isso aqui só diz como fazer , mas somos nós que decidimos como tocar- ela disse.
Passamos a tarde estudando piano e ela me ajudou com química, ela me aparentava muito certa e firme... passava uma segurança, eu me pergunto o porque disso! Ela é fechada... mas é a melhor e única pessoa que eu conheço do lado feminino do dormitório! E resto eu tenho o Gabriel e o Guilherme, que fazem o favor de me encherem, mas amizade é assim né?

Until now...Where stories live. Discover now