Aqui dentro

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     Quando nem o calor infernal dessa cidade aquecia o meu espírito e tampouco nas boemias se escondia a minha amargura, a Morte veio ao meu encontro com seus cabelos negros como a noite e me levou pra conversar em um lugar escuro onde coisas horríveis me revelou. Dizia com uma voz tão suave e serena que cativava minha ingenuidade, me contou segredos antigos, tão antigos quanto a própria alegria, quanto a prórpia tristeza! Segredos que elouqueceriam o mais lúcido dos homens. Esses me foram confiados por equívoco talvez, acaso ou por puro sadismo das forças celestiais.
     E quando na minha solidão meditei sobre aquelas palavras, me afoguei dentro de um pútrefo oceano que sequer conhecia, águas cinzas e morbidas que fediam a medo e indiferença! As cores já não existiam e as músicas já não faziam sentido.
    As vozes na minha cabeça pareciam subir do mais profundo inferno! E gritavam opressão e desespero. Eu as ouvia, gritava mas ninguém me ouvia. E o vulto que invadira minha casa expulsou de meu peito toda a esperança.
    Até mesmo as estrelas, antes amigas da minha solitude, já eram pálidas e ignoravam os meus murmúrios. Estava disposto a pagar o mais alto preço para me livrar dessa maldição: dar a minha alma! Desistiria facilmente do resto dos meus dias.
      Contudo nesse antro de desesperança, onde pela própria angústia eu fora beijado, recebi uma visita, uma tardia e inesperada visita, que temia ser incômoda, por isso apertara a campainha uma única vez. Eu vinha cambaleando pelo corredor embreagado por meu próprio luto, quando abri a porta e um leve perfume amarelo que uma singela andarílha exalava me assustou, há tempos não sentia a paz proporcionada por tal aroma, tamanha docura me intrigou.
      A deixei entrar e ficar com uma única condição: não poderia usar tal seu perfume. Pois sabia que ela ia embora e não queria me acostumar pra depois perder.
      Ela, ao entrar, reparou na bagunça e na melancolia que de tão densa pesava nas paredes, mas não falou nada, apenas que ficaria um tempo, mas que logo partiria, pois tinha que partir.
     A verdade é que a simples presença dela com o tempo me deu força para lidar com metade dos meus demônios, e a outra metade sairia somente se eu permitisse o uso do perfume amarelo, mas não o fiz, pois sabia que a andarilha ia embora logo, pois tinha que partir.
     Eu não sei bem o que ou porquê aconteceu, só sei que foi rápido demais e intenso! Ela ficou. Não deu explicações mas ficou.
      E eu, que já sorria novamente, escancarei as minhas portas pro novo! O perfume amarelo exalava por todos os cômodos da casa e os jardins já floresciam com a tardia primavera. E o amarelo que me salvou, continua me salvando gradativamente...


   

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