Aquele dia foi de fato cansativo para o jovem detetive policial. Entre toda a burocracia que o trabalho proporcionava e documentos para serem assinados e arquivados, as treze horas seguidas de trabalho não foram suficientes para que tudo fosse feito. O tempo voava na delegacia, mais especificamente na sessão criminal. Casos e mais casos, pequenos ou não, chegavam todos os dias. Alguns eram resolvidos mais rápido, e outros levavam mais tempo do que o esperado. Porém, para Ian, isso não era motivo de reclamação. Para ele, passar horas além do seu expediente normal trazia mais envolvimento com o seu trabalho, afim de procurar soluções nos casos mais difíceis.
Isolado em seu escritório, Ian lia a carta que recebera mais cedo em sua varanda. A carta não continha remetente e havia apenas uma linha escrita à mão. O seu conteúdo era simples e ao mesmo tempo direto: "Eu sei quem é o Agulha. E você está longe de descobrir quem o é". Passava as mãos no rosto tentando compreender o que poderia significar o recado. Muitas dúvidas rondavam seus pensamentos e a pior delas era saber se ele poderia confiar naquele pedaço de papel escrito à mão. De uns tempos para cá, havia se tornado corriqueiro o recebimento de cartas com pistas falsas. Porém, para ele, sentia que algo de diferente havia naquela carta. Diferente das outras, essa parecia ser direcionada diretamente ao detetive. No entanto, resolvera guardá-la para si e correr atrás da veracidade daquelas palavras.
Ao final daquele dia, ainda havia uma reunião com todos os envolvidos no maior caso que ele investigava. Seu chefe, um ítalo-brasileiro parrudo, daqueles com bigode grosso e chapéu na cabeça, sacrificaria as horas de descanso do seu pessoal para buscar uma solução o quanto antes de prender o serial killer que colocava à prova a segurança da cidade de Vila Bela. Previa-se mais algumas horas extras de reunião para que nenhum detalhe passasse despercebido.
Todos os envolvidos, desde os médicos legistas até os policiais militares, estavam em volta de uma mesa oval. Escutavam atentamente ao chefe Pablo Scopelli que repassava cada informação obtida até o momento. Ao lado do bigodudo, Ian aguardava pensativo o fim da reunião. Ele sabia que, por mais que todos ali fossem os melhores no que faziam, naquela hora não havia muita coisa a se fazer que não fosse esperar por um descuido do assassino ou por algum golpe de sorte, uma pista mais contundente que levasse ao paradeiro do procurado. O jovem detetive sentia-se péssimo pela demora de obter justiça para as famílias das vítimas. Desde que decidira seguir a carreira de detetive criminal, seu único objetivo era a justiça, ainda que fosse falha e o lado da balança desfavorecesse os menos afortunados. O caso era também uma forma de alcançar o tão almejado cargo de detetive chefe. Seu mentor estava para se retirar do campo de batalha que ele enfrentava desde a juventude. Encontrar e prender o assassino era uma questão de honra e compromisso com a sociedade e pelos princípios de ambos os detetives – mestre e pupilo.
A reunião prosseguia sem muito avanço conforme o esperado. Ian trazia em mãos um jornal da cidade comprado logo cedo com uma notícia estampada na primeira página que não agradaria a ninguém: "TRÊS VÍTIMAS E NOVE MESES SEM RESPOSTAS". O jornal O Dia tinha como editor chefe um admirador fanático do que ele fazia questão de chamar de incompetência policial. Era o tipo de jornalista que mais criticava do que noticiava. E o pior: mantinha um bom número de leitores que concordavam com seus artigos. Sabendo dessa fama crítica, Ian se perguntava se fazia bem mostrar o jornal a Pablo.
Enquanto cada setor debatia seus assuntos específicos da operação, Ian via Scopelli mergulhado em um olhar perdido como se estivesse infiltrado em seus próprios pensamentos. Passava os dedos em seu bigode massageando-o taciturnamente. A algazarra de conversas paralelas naquela sala não o tirava de seu transe. Em alguns momentos, sua mão direita tremia forte, e Ian observava em silêncio – sabia que a aposentadoria do chefe era mais do que apenas por cansaço ou pela idade. Mesmo Scopelli tentando esconder o tremor em sua mão, ele compartilhava um mesmo sentimento com seu pupilo: a frustração pela demora na resolução do caso. O tempo e o vento corriam a favor do assassino.
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O Agulha Negra - O Sempre Nem Sempre Foi Assim
FantasíaIan se depara com o maior caso de assassinatos em série que ele já viu como detetive criminal. Porém a busca pelo assassino, denominado como O Agulha, não será tão fácil como muitos pensavam. Ian se vê sem resolução no caso até que um possível aliad...