Prólogo

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Não é minha morte o que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.



Evie lutava contra vida.

Seu corpo trêmulo e esgotado debatia-se contra seu instinto de sobrevivência. Estava suja de lama, molhada até os ossos, cabelo desalinhado pela primeira vez na vida, o coração batendo forte no peito como se fosse único órgão funcionando, alimentado apenas de ódio e tristeza.

Destruída. Desesperada. Abandonada.

Acabar com tudo era o cântico que ecoava na sua mente. Desistir e pronto. Ela sabia que não havia escapatória, já vira aquilo acontecer uma vez e sua vida fora mudada, não conseguiria passar por aquilo de novo. A adaga que ficava presa à parte de dentro da bota, foi puxada com força e ela estava disposta a usar em seu próprio pescoço, mas tremeu no último momento. Ela parou e isso foi crucial pra que alguém chegasse e arrancasse a adaga de sua mão.

- Ele morreu... - ela falara sem nem ao menos saber quem chegara, sem saber quem se apossara de sua decisão. Sua mente turvada pela visão da morte dele. - Ele se foi... eu não posso continuar.

O seu salvador, que ela acreditava ser na verdade seu algoz, por condena-la a passar mais alguns momentos de dor e sofrimento escondeu a adaga e se aproximou com o cuidado, como quem anda numa sala de cristais. Ele levantou seu rosto e a visão que teve da princesa loira tão abalada o fez gaguejar. A mulher mais orgulhosa do reino Ark estava mais humilhada do que orcs escravizados.

- Evie, se acalme, calma, tudo vai acabar bem - Ele abraçou forte seu corpo frágil, tentando trazer consolo mas ela não retribuía, seu olhar permanecia vazio, os braços moles ao lado do corpo ali ficaram. Sua voz que era sempre melodiosa estava histérica e insistia em repetir o que ele já sabia. Kurato havia morrido

- Ele morreu, ele morreu... oh Kabberbol porque levou ele?... Eu deveria ter ido, ele não.

Dukke, era assim que se chamava, se afastou, procurando no local algo que pudesse a serenar, ela estava sentada no altar do templo, como uma oferenda, como um sacrifício vivo. Evie podia estar perdida em todo tormento da morte do kurato, mas sabia como dar um toque emblemático ao que imaginou ser o fim de sua vida. Onde conseguiu o que queria, ela desfaria. Todavia ele não podia deixar. Não podia ficar impassível.

- Não vai se matar, Evie! Não pode destruir tudo. Ele se sacrificou por você e seus sonhos, não pode jogar fora isso - tentara argumentar sem sucesso. Evie não ouvia, Evie não aceitava, Evie estava presa no seu mundo particular. A morte do Kurato tinha travado sua mente e ela só conseguia ver aquilo. Ele sabia.

As velas queimando por todo templo deixava aquela cena macabra e bela. Sombras e luzes dançavam diante deles, como numa luta intricada pela alma da doce e maquiavélica Evie. Ela estava alheia a isso, o Dukke não. Ele via tudo, ele entendia as entrelinhas daquilo. Ele não podia deixar que ela terminasse seu plano. Ele precisava arrancar a alma dela daquele silencioso infortúnio interior.

- Desculpa, Evie. Ele me odiaria se eu deixasse fazer isso. Não posso.

- Ele morreu... ele morreu - o tremor nos lábios vermelhos e borrados começou a ficar estranho, o olhar ainda era vazio, só a boca mexia, e então ele percebeu. Ela estava rindo. Louca e alto. Estava rindo. Ela se curvara no altar do templo, e quebrou o silencio do local com uma risada densa, uma risada histérica. Estava perdendo o controle mental. Ele não podia demorar. Não podia a deixar perder a mente de vez. Ela sempre esteve por um fio, ele não podia ver o fio partindo. Então ele pegou o amuleto. O amuleto sagrado que guardara pra três momentos especiais. Sabia que isso seria irremediável. Mas precisava salvar ela de si mesma.

Tocou devagar e de forma singela a testa dela com ele. Uma luz enorme a envolveu, seu corpo ficou inerte, a risada parou. Ela fora envolvida pela luz cegante e paralisante até desaparecer.

- Adeus Evie.

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