Capítulo 2

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− Estou aqui, minha querida.

Era verdade. Olívia podia ver Rômulo, ainda que soubesse que a figura a sua frente era apenas a alma de seu amado. Apesar disso, ele não havia mudado em nada. A pele alva, o sorriso fácil e acalentador e os cabelos negros e lisos ainda se faziam presentes.

— Eu senti tanto a sua falta!

O fantasma de Rômulo sorriu.

— Eu também senti a sua, meu amor.

A mulher e a alma se beijaram, depois de anos sem se tocarem. Olívia caminhou em direção ao berço onde estava a bebê.

— Quero que conheça alguém. 

— Quem é essa criança?

— Sua filha, meu amor. Nossa filha!

Rômulo segurou a pequena bebê em seu colo. Enquanto a segurava, Olívia percebeu que, aos poucos, o rosto do visitante começava a se desmanchar. Era como se a pele de seu amado se desfizesse, dando lugar a uma sombra repleta de trevas.

— O que está  acontecendo com você, Rômulo? — ela perguntou.

Ele colocou uma de suas mãos em seu próprio rosto.

— Meu tempo está terminando, Olívia. Com o fim do Dia dos Mortos chegando, a minha permissão divina para permanecer aqui também se acaba.

Ele colocou a bebê de volta ao berço e abraçou sua esposa, talvez pela última vez.

— Eu lhe amo tanto! Não sabe o quanto sinto sua falta! — disse ela.

Rômulo desfez o abraço. Seu rosto já estava quase todo tomado pela escuridão.

— Eu também lhe amo! Agora preciso ir, meu amor. Meu tempo acabou. Meu espírito está mais leve agora que lhe vi.

Olívia viu a alma de seu marido flutuar. Em cima dele, uma luz forte lhe puxava lentamente, como se fosse um imã. Aquela seria a última imagem que Olívia poderia ter de seu amado marido. Seria.

Ela decidira não deixá-lo ir embora. Antes que a luz sugasse Rômulo por completo, Olívia gritou:

— Fique comigo, eu lhe imploro Rômulo! Fique comigo!

— Não posso, meu amor. Isso teria um preço muito alto!

Os olhos de Olíviase se encheram de esperança.

— Quer dizer que há mesmo um jeito de ficar? Pois, então, fique, Rômulo! Eu pago o preço que for.

A luz sumiu instantaneamente, fazendo Rômulo voltar ao quarto.

— Tem certeza disso, Olívia?

— Sim! — respondeu ela. —Eu não vou lhe deixar partir novamente!

Faltavam apenas dois minutos para um novo dia começar. As sombras já dominavam quase completamente a alma de Rômulo.

— Então preciso de sua ajuda, meu amor. Só poderei permanecer no plano físico se me doar parte de sua energia vital.

— Energia vital? Como faço isso?

— Deitei-se, Olívia. Relaxe e tente permanecer calma.

Ela obedeceu. Já deitada, viu Rômulo pegando uma tesoura de costura em cima do criado-mudo de seu quarto. Ele se aproximou dela. O coração da jovem se acelerou. Mas, conformada, pensou que se aquele era o preço a se pagar pelo regresso de seu marido, então valeria a pena.

— Gostaria de dizer que não vai doer, meu amor. Mas, infelizmente, vai.

Rômulo segurou o braço de Olívia com bastante força. Quando sentiu que ela estava totalmente imobilizada, fincou a tesoura na mão da jovem, que começou a sangrar imediatamente. Assim que Olívia sentiu a agressão, teve de se controlar para que o gemido de dor emitido por ela não soasse tão alto. Ela viu Rômulo bebendo de seu sangue, que jorrava de sua mão direita. Quanto mais sangue ingeria, menos coberto pelas sombras ele ficava. Aos poucos, a aparência de Rômulo foi voltando ao normal. Ele voltara a ter a aparência de sempre. Sua alma estava, dessa vez, ainda mais brilhante que no momento em que apareceu em seu quarto.

Olívia, ao contrário, parecia ter perdido a cor. Um cansaço dominou seu corpo.

— Obrigado por doar sua energia, meu amor — ele agradeceu.

— Eu faria qualquer coisa por você! — respondeu sorrindo.

Os sinos da igreja tocaram. Era meia-noite e Rômulo permanecia com ela. Olivia sorriu. O sono foi lhe acalmando aos poucos. Ao fechar os olhos, a última coisa que viu foi o rosco resplandecente da alma de seu marido falecido.

O Regresso da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora