conte-me sobre você [ sulay ]

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Chen gostava de estudar, mesmo nas férias. Não tinha nenhum tipo de significado sentimental, até porque os sentimentos verdadeiros do coreano eram escassos, ele apenas amava ficar enterrado nos livros da biblioteca até tarde com algum problema matemático enorme que levasse o dia inteiro para ser desvendado; talvez, resolver algumas mistério químico. Mesmo que Minseok achasse que seu namorado estava sempre tentando impressionar o pai, no fundo, o menino calado e neutro era uma verdadeira traça das folhas tão brancas quanto sua pele nevada.

A noite estava começando a cair lá fora. Chen lia atentamente o livro de couro antigo com apenas um nome escrito na cama: Edgar Allan Poe.

Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós, — ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso 
Batestes, não fui logo, prestemente, 
Certificar-me que aí estais"
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

"Somente a noite..." repetiu baixinho, para si mesmo "...e nada mais."

Chen afastou a sua franja tão negra quanto os olhos e levantou-se, ouvindo o barulho de piso rangendo. Ficou parado, estático, costumava fazer isso quando estava pensando. Quem poderia estar naquela universidade, tão tarde da noite? Seria Minseok, para repreendê-lo por passar tanto tempo sem comer? Ou algum funcionário?

Os passos eram apressados demais para serem um funcionário. A figura já teria gritado se fosse Minseok. Caso fosse um demônio que tivesse vindo para perseguí-lo e castigar sua pobre alma, sem dúvidas a sombra seria maior e mais forte. Sorriu, já tendo ideia de quem era e confirmando suas suspeitas depois que o homem baixo apareceu por entre as estantes de madeira de pinheiro.

Kim Junmyeon, carregando um álbum vermelho em suas mãos. Chen sabia bem sobre o que se tratava, então apenas voltou a se sentar, abrindo novamente o livro e voltando a lê-lo em silêncio.

"K-Kim Jongdae..." Falou, baixo, mesmo que apenas os dois estivessem no local. Chen levantou seu rosto para que pudesse olhá-lo atentamente e dar um sorriso sem dentes, sem qualquer tipo de sentimento, mas não verdadeiramente forçado. O rapaz era frio, não transmitia nada, como olhar para uma estátua de cera. Os olhos tão distantes como estrelas no céu, foi isso que Jun pensou ao olhar aquela beleza singular em sua frente.

Sentou-se diante dele. Raios já começavam a cair lá fora, sem barulho. O ambiente estava escuro se não fosse pela luz da luminária na mesa no centro da biblioteca em que estavam os dois. Myeon pôs o álbum em cima da mesa com cuidado, tendo certeza que nada saísse do lugar, então abriu com os dedos delicados na última página, virando o grande caderno para que Jongdae pudesse olhá-lo.

"É você?"

"De fato." Era a primeira vez que Junmyeon escutava a voz de Jongdae. Ela era, de forma considerável, fina e um pouco afeminada, mas ainda firme. "Impressionante."

"Como você está nesse álbum, e como é a primeira foto... E-Eu acho que deve conhecer o Yixing."

Jongdae preencheu o ambiente com um suspiro.

"Eu conheço o Zhang."

Silêncio. Tão distante, Junmyeon pensou. Na verdade, Kim era mais pé no chão do que estava naquela hora porém, quando estava em hora de leitura, ele se tornava leve como o vento.

"Você gosta de Edgar Allan Poe?" O mais velho resolveu quebrar o clima, apontando para o livro que Chen tinha em mãos.

"Não. Porém, esse poema em particular é o meu favorito." E fechou seus olhos, como se pudesse ver as páginas na própria mente. "Abro a janela, e de repente... Vejo tumultuosamente um nobre corvo entrar, digno de antigos dias. Não despendeu em cortesias. Um minuto, um instante. Tinha o aspecto de um lord ou de uma lady. E pronto e reto, movendo no ar as suas negras alas, acima voa dos portais, trepa, no alto da porta, em um busto de Palas; Trepado fica, e nada mais."

"Eu lia esse poema quando pequeno. Recitava-o para minha avó, mesmo que não pudesse me ouvir. Na minha infantil cabeça, eu sentia que ela me escutava sempre que eu o lia." Jun falou, então Jongdae abriu os olhos.

"Ele conta sobre algo que aconteceu comigo. Assim como Poe, um corvo negro entrou na janela. Disse-me coisas que eu não entendia, mas que me enfeitiçaram a compreender, deixaram-me curioso." Seus olhos se perderam nos raios da janela atrás de Junmyeon. "E, assim como no poema, o corvo não saiu jamais da minha vida totalmente. Nem nunca irá."

Jun não sabia exatamente o porquê mas, pensando sobre isso agora, ele também se identificava com o poema.

"Kim Jongdae, tem algum tipo de relacionamento com o Yixing?" Chen ajeitou-se na cadeira, obrigando a si mesmo a ser mais atento. Ele precisava contar o que sabia para Junmyeon. Precisava livrá-lo daquele destino.

"Eu salvei a vida dele, todavia ele nunca foi o melhor retribuindo favores."

"Salvou? O que quer dizer?" Respondeu, depois de esperar um pouco, até ver que Chen não falaria mais.

"Qual seu limite de dúvidas?"

"O quanto a situação couber. Se você tiver a noite inteira livre, então poderá descobrir o limite."

Ele olhou no relógio. Tinha mais tempo do que realmente precisava.

"Posso te dar algo que vai livrar qualquer dúvida." Levantou-se, pegando sua mochila preta e tirando um diário antigo e com algumas páginas rasgadas de dentro. "Eu encontrei isto quando salvei Yixing. Era a única coisa que ele tinha em mãos."

"Você já leu?" Pegou, com cuidado, observando o nome escrito de forma infantil em chinês com uma letra infantil na capa: Zhang Jiashuai.

"Não. Nem quero. Já tenho demônios demais na minha conta."

Jun deslizou seus dedos por todo o objeto, sentindo a textura antiga e as páginas amareladas. Ele não entendia o que Chen tinha a ver com a história toda mas, se ele possuía alguma pista, não importava.

Voltou para a casa de Yixing e trancou-se no quarto feito para ele, abrindo o caderno e começando a ler o que podia em mandarim.