novo dia

1.5K 165 40
                                    

Junmyeon e Jiashuai seguraram as mãos e se entreolharam por um tempo. Eles queriam ter certeza de que o que estavam fazendo era o correto. Tentar fugir da realidade fazendo algo que simplesmente seria perda de tempo não parecia algo errado, apenas indiferente. Junmyeon gostava de indiferenças, o que infelizmente Jiashuai não concordava. Porém, agora ele apenas buscou alguma confirmação na expressão calorosa de seu namorado que o que estavam fazendo não era algo sem motivo.

Diferente de Jongdae, que apenas olhava a cena de braços cruzados, deixando seu paletó do terno voar com a brisa de verão dos campus da Universidade de Seoul. Era um clima agradável, mas não o suficiente para Jongdae. De fato, ele era amargurado.

Um sorriso singelo e sem dentes apareceu no rosto de Jun, quando ele separou seus dedos dos de Jiashuai para dar-lhe o isqueiro europeu com detalhes dourados e apertá-lo na palma grande e levemente suada. Jongdae direcionou sua expressão vazia para fitar os olhos de Jiashuai. Mesmo que só estivessem os três ali, o chinês sentia como se uma multidão inteira estivesse o instigando e o dizendo que tudo seria melhor se ele fizesse o que estavam lá para fazer.

Todavia ele não concordava com isso, não totalmente. Aquilo não faria tudo se apagar. O Zhang se sentia ainda mais pressionado porque, caso ele realmente usasse aquele isqueiro, as pessoas esperariam ainda mais dele; assistiriam como abutres espreitam corpos que estão prestes a morrer, sem saber que era assim que o chinês se sentia. Mas Junmyeon queria o melhor para ele, e ele não decepcionaria seu único e eterno pequeno.

Kim Jongdae II respirou fundo, olhando em seu relógio. Toda a situação era importuna para ele. Agora que tinha terminado a faculdade de direito, ele havia aberto seu próprio escritório.  Vivia sozinho, mergulhado em trabalho, perdido em uma maré do seu próprio ser, vinte quatro horas por dia, sete dias por semana. Não existia outro futuro para ele. Chen era um tolo se achava que realmente existia outro caminho. Amor? Ele não era real. Jongdae nunca se permitia aprender algo com alguém que não fosse si mesmo e seu próprio esforço, mas Minseok lhe deu essa lição, quando virou um professor da universidade e passou a fingir que o outro nem existia mais.

Ele tinha medo, de fato. A experiência que Minseok teve com Jongdae lhe deixou algumas cicatrizes. Assim que se desfez da infecção da tatuagem feita por Yixing em sua pele, frequentou dolorosas cirurgias de remoção para fugir do desenho do sol negro demoníaco, sendo financiado por Jongdae. Ele sabia que Jiashuai tinha mudado; ele sabia, mas não queria mais contato com essa família. Jongdae não culpava o chinês ou qualquer pessoa que não fosse si mesmo. Mas, bem, ele era indiferente.

Mesmo naquela hora, ele só conseguia pensar em seu próximo compromisso, e quão atarefada era sua agenda. Não ia demorar muito para que o assistente Lu Han começasse a ligá-lo dizendo que ele se atrasaria. Queria dar tempo para Jiashuai, precisava daquele tempo. Então, tudo bem, se permitiria ser compreensivo.

"Está tudo bem se você não conseguir fazer isso." A voz melódica de Junmyeon cortou o silêncio, agora um pouco mais confiante e encorpada que antigamente. Seu uniforme indicava que ele estava no último ano da faculdade, um pouco amassado, delineando seu corpo feminino. Jiashuai perdeu seus olhos nas escritas da camisa por um tempo, tentando buscar algo que pudesse distraí-lo daquele momento.

"Nós já estamos aqui. Seja objetivo." Respondeu Chen, a voz tão inexpressiva quanto a face, mas que deixava claro quão impaciente ele já estava. Seus pés batiam ritimicamente com o som dos pássaros que ficavam por ali quando a bagunça do mar de alunos não estava presente.

Jiashuai respirou fundo. Observou a capa vermelha do álbum mais uma vez. Todos voltaram o olhar para o mesmo objeto que ele estava fitando. Ele parecia brilhar pela forte luz do sol naquele momento. Mesmo que já tivesse se tornado um fotógrafo em ascenção, o Zhang nunca pensou que jogaria fora a obra que o inspirou a começar tudo. De fato, ela não tinha mais espaço em sua vida. Lembrava coisas ruins, o trazia vontades ruins, e machucava seu noivo Junmyeon, a única coisa que ele realmente conseguia se importar.

O vento ficou forte por um instante, e folheou o álbum. Dezenas de rostos sem significados reais, sem emoções reais, imersos em uma sensação falsa de felicidade e bem-estar. Yixing tinha destruído aquelas vidas por um, dois meses, talvez deixasse consequências eternas, mesmo depois que elas já estivessem mortas, percebendo que o motivo para as suas carnes estarem queimando era apenas aquele pacto indireto que tinham feito com o chinês de olhos bonitos e beijo delicioso. Era algo que ele queria se livrar, o máximo que pudesse, mesmo que todos presentes soubessem que era impossível dizer que essa parte, Yixing, não existiria pra sempre.

As folhas brancas e perfeitamente conservadas pararam de folhear, deixando o livro aberto na última página, revelando a foto de Chen. O mesmo fixou-se à imagem, perdendo o pensamento nos olhos inocentes e ingênuos da sua versão de muitos e muitos anos atrás. Lembrou-se também que foi exatamente nesse dia que começou a se tornar frio e indiferente, prendendo-se para si mesmo. Estava tudo bem desse jeito.

Jiashuai passou seu dedo pelo gatilho do isqueiro, vendo a chama de início rala ser revelada. Teve que repetir o processo pelo menos cinco vezes até que o vento parasse de soprar a chama e apagá-la. Sem perder tempo, ateou fogo no maldito álbum parado na grama, vendo quase que imediatamente as páginas sendo preenchidas de um calor destrutivo e nada além de cinzas de algo que antes existiu.

A chama se alastrou aos poucos pelo resto, mas finalmente alcançou a capa dura. Na página aberta, os três observavam o rosto de Chen sendo queimado, virando apenas uma poeira que se perderia na grama bem aparada do campus, voando com o vento para algum lugar distante, até que não restasse mais nada do que um dia foi a face delicada e deprimente.

Tudo foi aos ares, assim como iniciou. Todos os segredos que Jiashuai guardavam morreriam com o Yixing; aquele que ele conheceu e se apaixonou, e aquele que ele se tornou. Junmyeon entrelaçou seus dedos nos de Jiashuai, dando-lhe novamente certeza de que ele não precisava mais daquilo. De fato, ele não precisava.

Ele tinha Junmyeon. Ele tinha seu irmão, Chen. Ele tinha finalmente a si mesmo.

conte-me sobre você  [ sulay ]Onde histórias criam vida. Descubra agora