Capítulo 3: Ascensão a Amargura

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Passaram-se três anos, e eu havia contratado mais três funcionários para a loja, uns dois jovens animados com o serviço e o Miguel é claro. Miguel tinha o mesmo entusiasmo que eu tinha com os clientes, sempre me imitava, o meu jeito de falar, de andar, ele me via como exemplo de vendedor. Ensinei-lhe tudo que Wagner havia me ensinado, e ele aprendia de boa vontade. Todos os dias eu lhe dava algum produto da loja e um preço, ele deveria vender no mesmo preço que eu orientava, ou até mais se tivesse a oportunidade, de vez em quando eu até lhe dizia clientes específicos, para dificultar.

Tudo era tão perfeito, se encaixava, fazia sentido, tudo tinha cor, e quase sempre tínhamos um Sol ardente nas tardes calmas, embora eu gostasse mais dos dias chuvosos, estes eram belos, afinal, sempre achei beleza na desordem, as árvores nos dias ensolarados ficavam quietas, sem vida, na chuva dançavam.

Dançavam e convidavam a festa nebulosa, convidavam ao abraço da chuva, mesmo gostando dos dias chuvosos nunca aceitei tal convite. E foi em um dia desses que a oportunidade me bateu a porta inquietamente, me gritava por ajuda e abrigo da chuva. Fui desesperadamente abrir a porta da frente, afinal, eu conhecia quase todos da cidade, quem sabe não era algum conhecido vindo me visitar em hora tão importuna. Abri a porta, fiquei estático por alguns segundos, não era ninguém que eu conhecia, era uma moça de cabelos castanhos, carregava consigo uma mala. Gastei meus segundos de devaneio tentando lembrar-me de seu rosto, talvez um nome me viesse na mente, mas meus pensamentos foram interrompidos pela fala da madame:

-Posso entrar para dar um telefonema? Cheguei a pouco na cidade e não encontrei nenhuma hospedaria pelos arredores...

-Fique á vontade... -Ela adentrou a casa olhando para o teto, as paredes, parecia procurar alguma coisa.

-O telefone fica na sala, em cima de um criado-mudo.

-Obrigada-Respondeu com pressa.

Enquanto eu sentava em minha poltrona e observava a chuva, ela telefonou para uma amiga, dizendo que estava bem, e que apesar da chuva tinha chegado à cidade sem complicações. Sentou-se no sofá ao meu lado, e começou uma série de perguntas enquanto anotava tudo em uma caderneta:

-Você mora aqui á quantos anos?

-Por que quer saber? -Respondia num tom de desconfiança, não é todo dia que alguém interrompe sua solidão num dia de chuva e te faz perguntas como uma entrevista.

-Eu comecei a trabalhar no jornal local, estou tentando conhecer meus vizinhos. -Dizia sorrindo enquanto fazia rabiscos em sua caderneta.

-Moro aqui há sete anos, montei uma loja de sapatos junto com um senhor chamado Wagner...

-Onde ele está? Adoraria conversar com ele!-Olhei fixamente para um jarro decorado em cima da estante.

-Descansando no reino dos justos...

-Oh, perdoe-me, tenho certeza que era boa pessoa...

-Pra quem você ligou? - Perguntei retoricamente, afinal, deu para ouvir a conversa e contextualizar.

-Uma amiga minha que mora aqui, ela vai me buscar, achei estranho que ela conhecia onde você morava...

-Já não estou mais sabendo lidar com a fama graças à loja. -Rimos um pouco, ela se levantou e pegou uns papéis em cima da mesinha de centro da sala onde eu escrevia um pouco.

-O que é isso? - Indagou a moça.

-São poemas horríveis! Por favor, se afaste disso. - Meu aviso não serviu para nada, na verdade, isso deve ter atiçado mais a curiosidade dela.

-"Baile de chuva", interessante... Você escreve melhor do que pensa, devia tentar a vaga na editoria do jornal.

-É o que você faz?

-Não, eu coleto informações, diálogos, datas, a editoria quem contextualiza toda a informação, e devo dizer você contextualiza muito bem...

Fomos interrompidos por uma buzina do lado de fora, era sua amiga, ela agradeceu e me deu um número da editoria do jornal. Antes um incômodo ao meu dia chuvoso e quieto, me deixou saudade com a partida, e no meio da saudade percebo que nem perguntei seu nome, sua idade, ou onde estava morando. Talvez não fosse melhor assim? Talvez não fosse melhor eu deixar essas informações de lado? Quem sabe isso não contribuiria para outro encontro?

O tempo dirá, a ansiedade destrói os momentos,faz você dar muito valor a coisas pequenas, e eu lhe garanto leitor, você não vai querer se desapontar dando valor a coisas que não prestam. Dê tempo ao tempo e as coisas que você tanto se preocupava se resolvem na paciência, e falando em tempo, a chuva não parou, posso voltar a escrever e apreciar o baile das árvores, e a orquestra das nuvens.

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