01. Despedaçado

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Jeong-Ho

— Não pode sair sem comer sua sopa ou um pouco de arroz, vai se sentir fraco. — Reclama meu pai, mas como diria a ele que a fome é a última coisa com a qual preciso me preocupar no momento? Me calo e dou um sorriso murcho.

Não posso colocar mais peso sobre os seus ombros. Meu pai não merece isso depois de tudo que perdemos. Já temos problemas demais para lidar sem tudo isso que se remoí dentro de nossos corpos pedindo para ser ouvido por alguém, e sempre que decidimos tocar no assunto acabamos chorando como dois condenados a morte, então meio que o evitamos.

— Como algo na escola. Não se preocupe pai. — Profiro esperando que ele se sinta menos pressionado a cuidar dos meus passos, mas é bem complicado ser pai em tempo integral depois de perder sua esposa, e o entendo bem, devido a isto evito ser mais um peso. — Irei demorar a chegar, passarei algumas horas na biblioteca.

— Não pegue tão pesado com sua cabeça, sabe que está indo bem. — Fala com certo orgulho, o que me faz ficar mal por estar evitando contar a ele o que vem acontecendo na escola, de como minhas notas tem piorado a cada teste, e que talvez continuem a decair, pois não consigo mais manter nada das matérias em minha cabeça.

— Claro pai, se cuide em seu caminho para o trabalho também. — Peço, pois não sei o que pode acontecer comigo se mais uma vez chegar em casa e perceber que alguém se foi. Não sei se minha mente suportaria mais um baque desse tipo.

Depois de nos despedirmos calço meus sapatos na entrada e parto para o ponto de ônibus ao ouvir algumas aulas de inglês pelo aparelho celular. Ao menos nisso ainda consigo me sair bem.

No caminho vejo quantas pessoas descansam suas mentes e corpos ao esperarem por seus pontos de desembarque enquanto outras aproveitam para estudar ou até mesmo namorar. Viro meu rosto quando uma mãe passa a acalentar seu filho. Meus olhos queimam e o sorriso de minha mãe estampa-se em minha mente ao me dizer que está tudo bem, ou que ao menos ficaria, mas dessa vez não consigo acreditar nela, pois não haverá mais um jeito de suas palavras chegarem a mim.

Apertando minhas pálpebras com força para evitar ver novamente o que está acontecendo bem na minha frente me apego as palavras soando pelo fone. Somente as escute, não precisa ver nada ao seu redor, não é necessário se ater a ninguém, digo ao pressionar minha mente a se apegar a outras coisas.

No meu ponto desço correndo sem me preocupar com os arredores e sem que espere o som de uma buzina soa tão alto que atravessa o som sendo liberado pelos fones. Fico cara a cara com o motorista que adentrou a calçada por provavelmente ter perdido o controle de sua motocicleta.

Deveria me mexer, correr para o lado, teria grandes chances de sair ileso ao agir dessa maneira, mas meu corpo não reagiu. Minha mente berra em protesto, pedindo para que dê passadas para longe do perigo, mas com minhas mãos apertando o aparelho só consigo continuar a ver o veículo vindo em minha direção com o som das buzinas cortando meus tímpanos junto com as frases em inglês.

Antes que meu cérebro entre em curto circuito sinto dedos se apegando ao meu corpo enquanto os braços me apertam com força, tudo em câmera lenta até que o som de nossos corpos batendo sobre o chão quando a motocicleta passa bem perto a nós me desperta.

As mãos ao redor do meu corpo aparentam estar tão quentes quanto brasas, assim, ainda que de modo ignorante acabo me afastando da pessoa que me afastou da morte e quando meus olhos encontram os orbes escuros em um tom de chocolate prestes a se misturar com um bocado de leite sinto-me queimar. Me arrasto para trás ao ver que estou pondo os olhos de uma pessoa como comida, mas o sorriso dado por ele me fez piscar duas vezes para ter certeza de que minha mente não estava alucinando.

The beautiful liarOnde histórias criam vida. Descubra agora