Meu negócio é a miséria, vamos começar pelo começo
Ela tem um corpo como uma ampulheta que está batendo como um relógio
É uma questão de tempo até que nos esgotemos
"Misery Business" - Paramore
Taehyung
Acordei com o som de batidas violentas na minha porta. Com o susto, acabei caindo da cama e batendo a maçã do rosto contra a quina do criado mudo, ficando com um corte pequeno e extremamente dolorido no local atingido. Chequei as horas no relógio, antes de ir abrir a porta com a mão sobre o machucado, querendo saber quem, diabos, tinha me acordado às seis e quarenta da manhã.
Yoongi estava encostado à porta com uma calça jeans, coturnos, camiseta branca e jaqueta de couro, tudo extremamente surrado. Qual o problema dele com roupas novas? Me encarou de cima a baixo como no outro dia antes de soltar uma risada pelo nariz.
- E é claro que você não tá pronto!
- Pronto pra quê? – perguntei em um tom hostil e o garoto me olhou como se eu fosse retardado.
- Pra dançar a Macarena – falou com raiva. – Pra aula, imbecil. Pegou um monte de livros na biblioteca, achou que era pra quê?
- Sinceramente? Eu pretendia fazer uns recortes, mas não me deram uma tesoura – falei tão sério quanto possível e Yoongi tentou, mas não conseguiu conter a risada.
- Calouro é tudo inútil mesmo. Só se arruma logo de uma vez – falou e saiu pelo corredor.
Fiz como ele falou, enfiei os livros das matérias do dia indicadas no horário de qualquer jeito dentro da mochila que tinha recebido no primeiro dia e fui para o refeitório depois de ficar pronto e colocar um pequeno band-aid no machucado da bochecha. Como eu estava, novamente, em cima da hora de terminar o período para comer, o lugar estava praticamente vazio e, depois de correr feito um desesperado pelos corredores, esbarrei com tudo na porta da sala.
Porque se não acontecer uma merda, não sou eu.
Por sorte, o professor ainda não tinha chegado, mas a sala estava lotada de alunos e todos eles me encararam depois do estrondo que meu corpo fez ao se chocar contra a porta. Entre eles, Sun-Hee sustentava aquele olhar indecente de sempre no rosto, as pernas lisas, compridas e descobertas pelo short jeans que a garota usava estavam jogavas displicentemente sobre a mesa.
Ela estava sexy demais pro meu cérebro raciocinar direito àquela hora da manhã.
Fazendo um mapeamento visual rápido, acho que nós dois chegamos à mesma conclusão ao mesmo tempo: só haviam dois lugares vagos na sala. Um na última carteira da fileira mais perto da parede, bem no canto, e um na primeira carteira da fileira do meio, em frente a ela. Sun-Hee olhou para a cadeira à sua frente e depois pra mim, como se estivesse testando se eu teria mesmo coragem de sentar ali.
Eu não tinha medo daquela garota e, tentando provar isso pra ela e pra mim mesmo, joguei a mochila sobre a mesa e me sentei. Ela estava fora do meu campo de visão, mas eu conseguia sentir o olhar da garota queimando minha nuca.
- Bom dia, turma – o professor de história falou animadamente entrando na sala. – Senhorita Jeon, tire os pés da cadeira, todo mundo senta direito – falou (algo no tom de voz dele me dando a impressão de que o cara estava com pressa) e Sun-Hee obedeceu prontamente, juntamente com os outros alunos. – Hoje nós vamos continuar falando sobre a Revolução Industrial – ele disse e foi escrever o tema no quadro sem nem mesmo tirar a bolsa do ombro.
No segundo em que ele virou de costas, Sun-Hee voltou a jogar os pés sobre a mesa, fazendo muito barulho. Metade da sala riu e o professor, ainda de costas, suspirou profundamente. Pegou algo na mochila, antes de tirar a alça atravessada do corpo e colocar sobre sua cadeira, se encaminhando para a garota. Acompanhei o homem com o olhar e vi quando ele estendeu a mão aberta com um pequeno guardanapo de papel. Sun-Hee sorriu e jogou ali o chiclete que estava mascando, prontamente tirando os pés da mesa após isso. O professor estendeu o pulso e de lá ela tirou um dos vários elásticos de cabelo que o homem usava como pulseiras, prendendo os fios revoltos em um rabo do cavalo alto, sorrindo como se fosse uma aluna exemplar depois disso. Revirando os olhos de brincadeira para a garota, o professor voltou ao quadro, resumindo o assunto que ele tinha iniciado na aula anterior.
Sun-Hee fazia aquilo por que não conseguia se concentrar na aula se o cabelo estivesse solto e os fios ficassem caindo sobre seu rosto.
Eu sabia daquilo. Não era algo que eu achava. Eu tinha certeza que era por isso, mas não fazia ideia de como e aquilo me atormentou por toda a aula, em que eu ficava olhando nem tão discretamente assim para trás a cada poucos minutos. Sun-Hee, apesar de ainda ter o olhar indecente preso no rosto, parecia prestar atenção na aula e não dava a mínima pra mim.
Quando a aula acabou, eu me levantei da cadeira arrumando minhas coisas na mochila e estava pronto pra sair da sala quando a voz de Sun-Hee me parou.
- Pra onde você vai?
- Próxima aula – respondi e só então reparei que ninguém parecia ter saído do lugar.
- A gente não muda de sala, os professores fazem isso – e, pela primeira vez desde que eu a tinha conhecido, Sun-Hee não parecia ter um tom espertinho por trás da frase.
Voltei a me sentar, agora com o corpo meio virado de lado para olhar a garota, e larguei a mochila no chão de qualquer jeito. Sun-Hee sorriu pequeno antes de voltar a me ignorar, as pernas novamente em cima da mesa e um caderno apoiado sobre elas. Parecia estar desenhando algo com o lápis, mas eu não tinha certeza.
- O que você está fazendo? – perguntei tentando criar assunto, incomodado com o silêncio.
- Não somos amigos – ela falou simplesmente sem nem se dar ao trabalho de levantar o olhar do caderno pra mim.
- Ok.
Sun-Hee suspirou e se sentou corretamente na cadeira, colocando o caderno sobre a mesa e eu pude ver um desenho muito bonito de uma paisagem.
- Você é boa nisso – falei.
- Obrigada – ela ainda se recusava a me olhar.
- Oi! – uma voz fina falou ao meu lado e eu me virei, vendo uma garota muito loira e de pele muito branca me olhando com um sorriso enorme. Bonita pra caralho.
- Oi – respondi meio bobo e vi, pela visão periférica, Sun-Hee revirar os olhos.
- A gente não teve a chance de se conhecer – a garota disse e tinha um sotaque muito forte. – Sou Anelise, estudo na sala da frente.
A garota veio aqui só pra falar comigo?
- Prazer, sou Taehyung – falei estendendo a mão, mas a garota apenas a usou para puxar meu corpo pra frente e me beijar a bochecha. Perigosamente perto da boca.
- Eu sei, bobinho.
Anelise girou sobre os calcanhares e voltou a sair da sala. Acompanhei com o olhar até ela passar pela porta e teria ficado mais alguns segundos encarando hipnotizado aquele local se não tivesse sido desperto por Sun-Hee simulando vômito.
- Você não gosta da garota – concluí facilmente.
- Como você pode pensar algo assim? – perguntou e eu teria acreditado no espanto dela em outra situação. Rimos os dois.
- Odeio ela – Sun-Hee encarava fixamente algo atrás de mim e, sabendo que ela não estava mais se referindo a Anelise, me virei, vendo uma mulher na casa dos trinta começar a copiar algo no quadro. Uma olhada rápida no horário e descobri se tratar da professora de biologia. – Escreve tudo que ela colocar no quadro, vai cair na prova.
- Valeu.
- Ainda não somos amigos.
- Eu sei – falei rindo.
Mas tenho um sentimento forte de que vamos nos tornar.

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The Point of no Return
FantasíaTodos nós chegamos em algum momento da nossa vida em que determinada atitude ou acontecimento não pode ser revertido ou evitado. Kim Taehyung sempre acreditou que, para ele, esse momento tinha sido no momento de seu nascimento. Com uma habilidade qu...