Prólogo

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Japão, 21 de outubro de 1600 [1]

Eu estou me aproximando de Sekigahara, na Província de Gifu. A mata é muito densa dentro da floresta em que eu me encontro. Já anoiteceu e, apesar da imensa lua no céu, eu não consigo ver quase nada. E a fumaça não ajuda nem um pouco. Na verdade, chega a ser sufocante o cheiro de madeira e corpos queimados. Então, eu desembainho minha katana e ando lentamente, desviando das árvores e tomando cuidado para não fazer nenhum ruído.

Eu sei que eles me espreitam. Não posso deixar que se aproximem. Eu preciso derrotá-los de qualquer maneira para poder encontrar Satoru e sairmos daqui o mais rápido possível.

Estamos no meio de uma guerra. Eu sei! Mas, não vejo a hora de poder voltar para a tranquilidade da minha casa. Se é que eu ainda tenho uma.

[1] No Japão, até o ano de 1873, era utilizado o calendário chinês. Por isso, a cada ano o ano-novo caía em uma data diferente. Em 1873, foi adotado o calendário gregoriano e, assim, o dia 1 de janeiro passou a ser o ano-novo oficial. Por causa disso, muitos eventos ocorridos possuem duas datas. Exemplo: a guerra de Sekigahara aconteceu no dia 15 de outubro pelo calendário chinês e no dia 21 de outubro pelo calendário gregoriano.

Nesse livro, para facilitar o entendimento de festividades e estações do ano, será utilizado como base o calendário gregoriano.

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Meses antes...

Meu nome é Emi Tanaka, mas meu pai me chamava de Sakura [2], que significa cerejeira. Por quê? Minha avó adora contar essa história: eu nasci justamente quando as primeiras flores da cerejeira que fica no centro do vilarejo em que moramos apareceram naquele ano. Era dia 24 de março de 1582.

Moramos em uma casa simples de madeira e os aposentos são divididos por portas corrediças de madeira com papel de arroz estendidos sobre elas, chamadas de fusuma. Essas portas permitem a ventilação e a entrada de luz, o que torna nossa casa bem aconchegante.

Eu trabalho nos campos de arroz com a minha mãe para podermos sustentar a casa. Meu pai? Morreu há alguns anos. Ele foi para uma batalha e não voltou. Trouxeram suas roupas e suas armas e mamãe as guardou em um baú em seu quarto. Ela não sabe, mas, às vezes, eu a ouço chorar à noite. Eu sei que ela sente muito a falta dele. Eu também sinto. Foi ele quem me ensinou a ler e a usar a katana, uma espada curva de aproximadamente sessenta centímetros para dar golpes rápidos e fortes, e a wakizashi, uma espada curta de aproximadamente quarenta centímetros usada em combates de pouca distância. Quando minha mãe descobriu, não gostou muito de eu saber empunhar armas, mas meu pai lhe disse que uma mulher também precisa saber se defender em tempos de guerra.

Nosso vilarejo fica nas terras do senhor Tatsuo, do clã Ikeda. Para você entender melhor nossa sociedade, eu vou explicar. O Japão, meu país, é dividido em feudos e cada um deles pertence a um clã. Batalhas por terras e poder são muito comuns entre esses clãs. Por isso, nosso país parece que vive em guerra. Apesar de termos um Imperador, ele não tem grande poder político e os clãs respondem ao Seii Taishogun [3], ou xogum, que é quem de fato governa nosso país. Atualmente, não temos um xogum e isto só faz com que as batalhas por poder continuem. Mas, essas batalhas são realizadas em terras distantes e espero que elas não cheguem aqui, pois eu não sei como eu reagiria.

[2] Identifica a cerejeira e a flor de cerejeira. A cereja era associada à sensualidade e a cerejeira à vida do samurai, que é tão passageira quanto à da flor de cerejeira ao desprender-se da árvore.

[3] Título e distinção militar concedido, pelo Imperador, a alguém, para que governasse o país em seu lugar.

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