Capítulo 1 - Novidades

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Emi

As primeiras luzes do dia iluminam meu quarto e lentamente eu desperto. Sei que o chão do lado de fora da casa deve estar coberto de neve, pois o vento frio uivou por grande parte da noite.

Viro para o outro lado e me aconchego na cama ainda quente. Minha cama consiste de um shikibuton, espécie de colchão flexível, e um kakebuton, acolchoado grosso para se cobrir. Eles são colocados no chão, pois, assim, podemos dobrá-los e guardá-los durante o dia para ter mais espaço no quarto. Estico o braço e minha mão toca o tatame frio e áspero que cobre o piso de madeira. Preciso levantar para ir trabalhar, mas ainda estou envolvida com a embriaguez do sono e a sensação da batalha em meu sonho.

Sonhei novamente que lutava com minha katana em um campo de batalha repleto de homens. Quando contei pela primeira vez sobre esse sonho recorrente para a minha mãe, ela disse que deveria ser consequência das diversas leituras de poesias, contos e novelas. Ela diz que vivo no mundo dos sonhos e que não deveria ficar lendo tanto. O que ela não sabe, é que, além de descrever batalhas, o que leio também fala de amor e romance. É através dessas leituras que consigo imaginar como seria me sentir amada por um homem. Não um amor de sonhos, mas um amor real, palpável, assim como foi o amor de meu pai pela minha mãe. Eu via esse amor nos olhos dele quando a olhava. Será que é pedir muito alguém que me olhe da mesma maneira? Não é querer alguém para completar a minha vida, como, geralmente, são descritos em contos e novelas. Eu já me sinto completa. É querer ter alguém para compartilhar os momentos bons e ruins; alguém que estará lá quando você precisar, te dando carinho, apoio e incentivo. Eu sei que existe esse tipo de amor, mesmo quando leio sobre a vida dessas personagens inventadas, porque sinto que ali há um pouco de cada escritor, algo que ele viveu ou gostaria de viver. Eu sei que o homem que me amará está por aí em algum lugar. Sei, também, que um dia iremos nos encontrar e espero reconhecer esse amor em seus olhos. Mas, agora, preciso levantar e enfrentar o dia frio lá fora.

Ouço barulhos vindos da cozinha e sei que minha mãe e minha avó já levantaram. Elas estão preparando a refeição. O cheiro invade o quarto, o que faz meu estômago roncar. Então, me levanto e coloco um quimono de lã. Pego os kanzashi [4] e prendo meus cabelos negros e lisos em um coque alto.

[4] Ornamento para cabelos em forma de espetos de madeira. Também podem ser em formatos decorativos, de flores ou de pentes.

Deslizo lentamente a porta de meu quarto e saio para o corredor em direção à cozinha. Paro na porta e fico observando minha avó. Seus cabelos brancos presos impecavelmente em um coque, a pele de suas mãos enrugadas lidando com maestria com os utensílios. Minha mãe está próximo à ela. Em seus cabelos dá para notar os primeiros fios brancos, que se destacam dos negros com um brilho prateado. As duas dividem as tarefas como tantas outras vezes, parecendo uma dança combinada e ensaiada com perfeição.

Minha mãe percebe que estou ali e me olha. Eu sorrio.

– Bom dia. – digo a elas.

– Bom dia. – minha mãe responde. – O que faz parada nos espreitando?

– Estava admirando a sincronia de vocês nas tarefas. Parece uma dança.

– Você e sua imaginação fértil. São apenas tarefas do cotidiano. Sente-se e coma ou vai se atrasar.

Ela não entende. Não entende mais. Minha mãe mudou muito após a morte de meu pai. O brilho de seus olhos e seu lindo sorriso desapareceram. Agora, ela vive preocupada com o sustento da casa e sempre diz "precisamos arrumar um bom homem para se casar com você para que não precise trabalhar tanto". E minha avó responde "ela ainda é muito jovem, temos bastante tempo para pensar nisso".

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