Satoru
Meu nome é Satoru Ikeda. Sou filho de Tatsuo Ikeda, chefe do clã Ikeda. Carregar esse sobrenome não é fácil. Todos conhecem a história e as conquistas de meus ancestrais. Por isso, esperam que eu seja como eles, que goste das mesmas. Mas, eu não gosto. Sinceramente, eu não gosto de ser um samurai. Eu não queria ter que matar pessoas, sejam elas de meu país ou de qualquer outro. Não deveria ser assim.
Meu treinamento iniciou-se muito cedo. Eu era ainda uma criança quando aprendi a manipular armas. Fui obrigado por meu pai a treinar todos os dias até atingir a excelência que ele queria. Eu não podia errar. No entanto, não podia ser eu mesmo.
Um dia meu pai me flagrou desenhando uma flor de cerejeira no jardim. Além de rasgar o desenho, naquela noite me mandou para o quarto sem jantar. Esse foi o meu castigo! Depois disso, tive que começar a desenhar quando ele não estava em casa, ou de memória antes de dormir. E, também, tive que esconder meus desenhos. Estão em meu quarto, em um local que ninguém irá encontrá-los.
Desde que vim para essa maldita guerra, há quase dois anos, que não tenho desenhado. Apenas consegui fazer dois ou três esboços de batalhas e samurais. Nossa rotina não me permite esse prazer. Se não estamos lutando, treinamos ou nos movimentamos para que não nos encontrem. Vivemos sempre tensos, a espera de sermos atacados.
A sede de poder está nos destruindo. Nossa terra está sendo regada por sangue, de nosso próprio povo. Será que um dia isso vai parar?
Em 1591, o xogum Hideyoshi conseguiu unificar o Japão. Mas, ele não se deu por satisfeito e resolveu dominar a China. Para isso, ele e seu exército de samurais precisariam atravessar terras coreanas. Como a Coreia negou seu apoio, ele resolveu conquistá-la para poder chegar à China. Em 1592, houve uma invasão rápida e eficaz. Conquistaram Seul e conseguiram um grande avanço em território coreano. No ano seguinte, a China enviou reforço militar à Coreia e o exército de Hideyoshi precisou recuar para Seul. Então, iniciaram uma tentativa de paz. Em 1597, por não ter seus pedidos atendidos, Hideyoshi ordenou que seus samurais reiniciassem os ataques. Muitas batalhas aconteceram, mas não conseguiram ganhar muito terreno.
Em 1598, fui enviado à Coreia para ajudar em uma segunda tentativa de investida em massa. Mas, Hideyoshi já estava com a saúde debilitada e acabou morrendo. Nosso exército recebeu ordens de retirada para terras japonesas. As batalhas continuaram, mas dessa vez entre os clãs, para decidir quem assumiria o lugar de xogum. São batalhas sangrentas, onde morrem muitos homens.
Eu já perdi a conta de quantas vidas eu tirei. Eu não queria assassiná-los, mas aqui é matar ou morrer. E, nesse caso, prefiro matar. Eu fui treinado praticamente a minha vida inteira para isso: não temer a morte e cumprir minhas obrigações de guerreiro. Infelizmente, uma delas é causar a morte dos inimigos de meus comandantes. Mas, também há coisas boas no bushido [5], pois não é só de batalhas que vive um guerreiro.
[5] Caminho do guerreiro. Código de honra e modo de vida de um samurai.
Um samurai, acima de tudo, precisa ter honra – defender o imperador, seu daimyō, sua própria reputação e o nome de seus ancestrais –, e por isso deve manter uma conduta exemplar em todos os dias de sua vida e em todos os sentidos. Ele deve ser justo, corajoso, cortês, sincero, leal e ter compaixão, consigo mesmo e com os outros. Quando assume uma responsabilidade, deve manter sua palavra, mesmo que isso possa lhe trazer prejuízo. Deve ser discreto e cuidadoso; não dizer palavras que possam ofender alguém.
Além de dominar o uso de armas, quando não está em suas obrigações militares, o guerreiro deve ocupar seu tempo com a prática de algo que lhe traga acréscimo, seja a leitura, a escrita ou algum tipo de arte, como desenho, pintura e escultura. Isso eu aprendi com o senhor Takashi, um samurai do clã Ikeda. Eu não entendo como meu pai pôde me castigar por gostar de desenhar.
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A samurai
Historical FictionJapão, 1600 d.C. Emi Tanaka é uma jovem simples que vive em um vilarejo nas terras do Senhor Tatsuo, do clã Ikeda. Emi é escolhida para trabalhar na casa dele e isso é uma honra para a sua família. Alguns meses depois, o filho do Senhor Tatsuo, o gu...