Capítulo 2 - Mudanças

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Emi

Daqui a pouco o senhor Takashi chega para me buscar. Eu vou ficar um mês longe de casa e, principalmente, longe de minha mãe. Sei que isso será muito bom para mim.

Ontem, depois que o senhor Takashi saiu, minha avó veio contente me abraçar e dizer que estava orgulhosa. Já minha mãe apenas me olhou sério e disse "não faça nada para estragar essa oportunidade que você está recebendo" antes de se retirar para seu quarto. Enquanto minha avó me ajudou a arrumar minhas coisas, minha mãe quase não apareceu o dia todo. Eu esperava que ela dissesse o quanto se orgulhava de mim e me desse ao menos um abraço. Eu sinto falta dos abraços apertados que ela me dava quando eu era criança. Agora, ela parece uma pessoa fria, sem sentimentos. Eu sei que é apenas um mês e que, depois, voltarei à vida de sempre, trabalhando na plantação e na fábrica. Mas, com uma boca a menos para alimentar em casa e os benefícios que receberei por esse tempo na casa do senhor Tatsuo, a nossa vida vai melhorar. Será que ela não vê isso? Será que ela não vê que eu estou fazendo isso por elas?

Dobrei meu shikibuton e meu kakebuton, deixando-os encostados na parede do quarto. Na parede oposta, há um baú de madeira onde guardava meus quimonos. Na parede perpendicular, fica um gaveteiro com duas gavetas, agora vazias, e, apoiado sobre ele, um espelho comprido e estreito.

Meu quarto não é muito luxuoso, mas sempre tive o que precisei. Quando a colheita ia bem, meu pai ganhava um pagamento maior em arroz, que usávamos para trocar por outros alimentos, tecidos ou algo que precisássemos. Depois que ele morreu, nossa situação piorou. Eu tinha oito anos e ainda era muito nova para trabalhar. Então, ajudava com a casa e com os quimonos que minha avó costurava sobre encomenda.

Eu fico parada no centro do quarto olhando tudo a meu redor. Uma sensação de vazio preenche minha alma e meus olhos ficam marejados. Minha avó entra no quarto.

– Você está bem?

– Estou. – falo enxugando as lágrimas que ainda não haviam rolado em meu rosto.

– Ainda está em tempo de mudar de ideia se não quiser ir. – ela fala parando ao meu lado e colocando uma mão em meu ombro.

– Eu quero ir. Isso vai ajudá-las.

– Não faça isso por mim ou por sua mãe.

– Também estou fazendo isso por mim. – eu falo, viro de frente para ela e dou-lhe um abraço – Vou sentir saudades.

– Eu também, minha menina. Eu também.

Minha mãe aparece na porta do quarto.

– O Senhor Takashi está chegando. Eu o vi entrando na rua.

Nossa casa fica no final de uma rua. Meu pai dizia que devem tê-la construído assim para sempre se ter a visão de quem chega ou de quem sai.

– Está na hora. – falo e dou um beijo na testa de minha avó.

Quando me viro para sair do quarto, minha mãe já não está lá. Saio para o corredor e vejo-a entrar em seu quarto.

Ando até a sala e olho para fora. O senhor Takashi já se aproxima da casa. Atrás de seu cavalo consigo ver uma carroça de madeira puxada por dois cavalos e guiada por um senhor. Meus pertences estão perto da porta de saída da casa. Aproximando-me deles e vejo um embrulho apoiado sobre uma das sacolas de tecido que minha avó fez para que eu carregasse minhas coisas.

– O que é isso?

– Eu não sei. Sua mãe que deixou ai. – responde minha avó.

Eu pego o embrulho, que é estreito e comprido. Puxo a ponta de um fio de lã usado para amarrá-lo e desfaço o laço. Passo a mão sobre um delicado pano de seda com desenhos de pássaros, folhas e ramos repletos de flores de cerejeira. É um lenço quadrado que meu pai trouxe para a minha mãe de presente. Ele lhe disse "ao ver esse lenço me lembrei das três mulheres de minha vida: mãe, esposa e filha". Abro o lenço e encontro uma wakizashi. A bainha tem uma capa de tecido rosa claro com desenhos de ramos de flores de cerejeira amarrada por um fio grosso que sobe ziguezagueando por toda sua extensão. Segurei o cabo da espada e desembainhei-a um pouco até poder ver parte da lâmina prateada brilhar. Embainho-a novamente.

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