Oitavo

93 37 42
                                    

Atravesso a ponta da lapiseira pela folha ouvindo a explicação da professora de Desenho Técnico. Laura está sentada do meu lado, e logo depois dela está sentado nosso amigo William. Paro o que estou fazendo para prestar atenção no que a professora está explicando para prosseguirmos o desenho, mas meu foco foge. Me perco em pensamentos indesejados sobre o passado e sobre o que acontece toda vez que leio as páginas daquele antigo diário de anotações.

Me sinto como se eu voltasse pro meu corpo no passado e nesse meio tempo parece que esqueço de que existe um presente que estou vivendo.

O que aconteceria se eu tentasse agir e tomar atitudes diferentes das que tomei no meu real passado? O que eu mudaria?

Eu e meu ex fomos felizes, não em todos os momentos, mas fomos sim. Talvez eu tentasse alterar as coisas a partir do momento em que elas começaram a ficar complicadas demais... se eu soubesse exatamente em que momento isso aconteceu. Será que ele sabe quando tudo ficou tão difícil?

Pego meu celular e abro minhas conversas. O número do meu ex não estava mais salvo nos contatos, mas eu mantinha nossas conversas arquivadas, escondidas, só pro caso de precisar e eu esquecesse o número dele, mesmo que já tenha decorado.

Analiso a última mensagem que ele mandou:

"Quase fui assaltado por sua culpa.
Você faz as coisas de propósito. "

Ele mandou depois da ultima vez que nos vimos. Eu não tive coragem de responder. Começo a digitar... apago. Reescrevo. Corrijo. Apago mais uma vez.

Desisto. Não vou fazer isso. Não vou voltar atrás mais uma vez.

Fecho essa aba no meu celular, trocando por um dos aplicativos de relacionamento. Vejo as várias fotos de tórax e músculos no mural, algumas fotos de rosto. No aplicativo a pessoa mais próxima está a 80 metros de mim, deduzo que seja alguém da faculdade.

Minha atenção está dividida entre a professora e o celular quando recebo uma mensagem. Vou listando o que posso analisar em seu perfil: rapaz viajado, barbudo, careca, 28 anos, sem fotos no espelho mostrando a barriga. Pra mim parece ok.

Agora eu devia estar terminando o desenho que a professora acabou de explicar, mas estou em mais uma conversa aleatoria.

Depois de pouco papo ele confirma que está na faculdade e que também é estudante de arquitetura. Disse que vai fumar um cigarro daqui a pouco e perguntou se quero fazer companhia para ele. Não reflito sobre.

—Amiga — digo para Laura — um boy me chamou pra encontrar ele agora. Já volto.

—É o que? — ela responde rindo porém chocada de um jeito nosso de falar.

Encontro o cara no jardim da faculdade, onde tem chão de terra e algumas algumas árvores. Estamos próximos da cantina e da biblioteca, mas agora à noite ali é meio escuro.

Não estou muito concentrado na conversa com ele. Ele é bonito, interessante e tal, mas meus pensamentos são outros.

O rapaz diz que está no oitavo semestre, brincando que eu que estou no primeiro só tenho moleza.

Oitavo fuma enquanto conversamos. Eu não fumo, mas também não me incomodo. Acho até sexy.

Não muito tempo depois estamos nos beijando.

~•••~
Estou no ônibus no longo caminho escuro pra casa. O difícil do percurso pra onde moro é o grande tempo ocioso, a espaço livre que meu cérebro tem para pensar em coisas que não quero pensar agora. Novamente estou encarando o celular, a última mensagem recebida logo depois daquele surto de raiva do meu ex.

Minha Vida Amorosa Extremamente CaricataOnde histórias criam vida. Descubra agora