ique Carvalho

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Quando eu tinha 13 anos,

    pedi pra Júlia dizer pra Ana Carolina que eu gostava dela.

    Fiquei atrás da porta para escutar.

    Julia: “O Ique gosta de você, Aninha”.

    Ana Carolina: “Ele é feio. Não gosto dele”.

    Me afastei da porta. Voltei pra casa chorando.

    Peguei um papel e escrevi:

     

    “O que é amor?”.

     

    Fiquei 20 minutos olhando para o papel. Dobrei e guardei.

    Agora, depois de 20 anos, continuo o texto.

    Hoje quando cheguei em casa,

    vi minha mãe no quarto dos fundos chorando.

    Corri para abraçá-la.

    Ela, chorando, disse:

    “Sinto falta do seu pai”.

    Respondi:

    “Eu também, mãe”.

    Ela:

    “Sinto falta do cheiro dele, do abraço, do beijo”.

    Seguro o choro e aperto mais forte o abraço.

    Ela:

    “Sinto falta das viagens juntos, do ciúme dele,

    de como ele segurava a minha mão para atravessar a rua.

    Sinto falta de ele abrir a porta do carro pra mim,

    de trazer flores toda sexta-feira, do beijo de boa noite”.

    Olho para cima, respiro e seguro o choro.

    Ela continua:

    “Sinto falta da voz dele, do som da risada,

    da mão dele pelo meu corpo”.

    Começo a chorar e falo:

    “Mãe! Filho presente!”.

    Ela, chorando, dá um sorriso e diz:

    “Seu pai era ótimo na cama!”.

    Enxugando as lágrimas, respondo:

    “CARALHO, MÃE!”.

    Ela sorrindo diz:

    “Sinto falta de ele me chamar de ENE!,

    de dançar, do beijo de bom dia, do sexo pela manhã”.

    Dei um beijo nela e disse:

    “Tudo vai ficar bem”.

    Ela sorriu e foi se deitar.

    Vou até o quarto do meu pai,

    conto o que minha mãe disse.

    Ele começa a chorar. Pega o iPad e escreve:

     

    “Amanhã compre rosas vermelhas. Não deixe sua mãe ver”.

     

    No outro dia, à noite, entro no quarto do meu pai.

    Ele escreveu:

     

    “Chame sua mãe”.

     

    Ela entrou no quarto.

    Ele começou a escrever.

    Quando terminou, me entregou o iPad. Estava escrito:

     

    “Coloque a música dos Beatles: ‘Yesterday’.

    E entregue as rosas”.

     

    Coloquei a música. Entreguei as rosas.

    Minha mãe começou a chorar.

    Continuei a ler:

     

    “Há 45 anos, coloquei a sua música favorita e a pedi em casamento.

    Foram os 45 anos mais felizes da minha vida.

    Não quero que acabem. Por isso luto todos os dias para viver.

    Só para ter mais um dia ao seu lado.

    Para ter o seu beijo de bom dia.

    Sentir o seu cheiro. Seu abraço.

    Sentir o seu corpo encostando no meu.

    Escutar a sua voz, suave.

    Não posso falar, mas posso sentir que você é o amor da minha vida.

    Agora... Pegue a mão da sua mãe e a chame para dançar.”

     

    Entreguei o iPad a ele.

    Peguei a mão da minha mãe.

    Começamos a dançar.

    Ele passou a música sorrindo.

    Quando terminamos,

    minha mãe pegou o iPad, estava escrito:

     

    “A única razão de eu ainda estar vivo é você”.

     

    Os dois se olharam,

    e as lágrimas escorriam na mesma velocidade.

    Naquele momento, descobri.

    Quando olhar for mais forte que tocar, é amor.

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