Algumas coisas estão destinadas a acontecer e não importa o que você faça ou o caminho que você trilhe para amenizá-las, nada poderá ser mudado.
Eu estava decidida. Depois de anos enterrada em um emprego desgastante e sufocante que extraia todas as minhas forças como a advocacia, eu iria me dar uma folga.
Sim, uma folga. E bem longa!
Eu precisava viver, e literalmente não era isso que eu estava fazendo trancafiada dentro de um escritório dez horas por dia, cinco dias por semana e com uma mesa abarrotada de papéis.
Desde que havia concluído minha faculdade de Direito há longos e estressante três anos, minha vida passou a se resumir em três etapas: acordar, trabalhar e trabalhar. Dormir era o mesmo que chuva no deserto, raro, porém, necessário.
E pra quem achou exagero, lhes apresento o meu digníssimo chefe (que também é meu pai)...
—— Eu vou tirar férias. —— disse para ele que estava de pé na minha porta, enquanto eu terminava de trancar algumas pastas dentro de uma das milhares gavetas do armário do escritório, dando por encerrado aquele dia terrível e cansativo.
Ele gargalhou alto em tom de deboche e disse:
—— Suas piadas são ótimas, devia trabalhar com isso. —— ele deu de ombros me ignorando como se eu fosse uma criança de quatro anos e não uma mulher de vinte e cinco.
—— Quem disse que é uma piada? Eu estou deixando isso aqui. —— fiz um gesto abrangente com uma das mãos mesmo ele não estando olhando para mim e prossegui —— E se acha mesmo uma piada, eu estou me demitindo! Eu trabalho aqui há três anos e sabe o que eu venho fazendo a não ser ficar trancafiada aqui dentro? —— continuei com minha voz firme sem dar espaço para ele responder —— Sabe qual a última vez que saí com meus amigos? (se é que eu ainda tinha algum depois de tanto tempo exilada da sociedade, feito uma primitiva) Não, o senhor não sabe, porquê tudo o que é do seu interesse eu estou cumprindo há esse tempo todo e coisas que são sobre a minha vida não importa aqui, não é verdade, doutor Guilherme?! —— apenas parei de falar quando o ar dos meus pulmões acabaram e minha voz fracassou me obrigando a recuperá-lá novamente.
Ele se virou para mim, incrédulo. Uma ruga apreensiva se formou entre suas sobrancelhas enquanto seus olhos me fitaram com raiva. Seu rosto era puro desprezo.
—— Não fale besteiras, Luana. Você precisa desse emprego. Acho que no mínimo deveria ter um pouco de receio, já que a sua inteligência é de menos por aqui. —— ele resmungou enquanto eu pegava minha bolsa, ignorando suas palavras imbecis.
—— Adeus, pai. —— falei passando por ele em passos firmes —— Ah, antes que eu me esqueça... Boa sorte! Acho que vai precisar pra encontrar uma pessoa que te suporte por tanto tempo quanto eu. —— me virei para trás enfurecida, meus olhos rancorosos me faziam ficar trêmula. Bati a porta com toda a força que pude e o deixei pasmo e estagnado me encarando.
Eu havia enterrado minha liberdade e a vida social que eu levava com os meus amigos da faculdade por aquela droga de emprego.
O que me deixava aliviada era ter uma boa economia guardada, e enfim, poder fazer a viagem que tanto queria.
No dia seguinte peguei um táxi e fui para o aeroporto. Estava na fila de embarque olhando para todas aquelas pessoas se despedindo de seus parentes e amigos, e de repente, senti um nó se formar na minha garganta fazendo meu estômago se revirar.
Meu pai não havia me dito nada depois de tudo aquilo. Eu sempre soube que ele era uma pessoa difícil, mas como dizem, a esperança é a última que morre e eu esperava no fundo, bem no fundo, que ele viesse, que chegasse correndo, eufórico e gritando o meu nome no meio de todas aquelas pessoas para me desejar uma boa viagem, mas conhecendo meu pai como eu conhecia, sabia que o máximo que ele faria se fosse ali era me encara de longe ou quem sabe, até arriscar a me dar um abraço, afinal eu sou sua filha, quer ele queira ou não.
Mas a parte racional do meu cérebro dizia em um conjunto de vozes que não. Ele não iria aparecer ali, por mais que em mim existissem esperanças e por mais que ele próprio quisesse, seu orgulho sempre o impediria de fazer qualquer coisa que fosse demonstrar arrependimento e principalmente, amor.
Ele quase se considerava (pra não dizer que considerava) o senhor da razão e nunca, jamais e em hipótese alguma, iria aparecer ali e pedir desculpas por ter roubado minha liberdade durante três anos ou só para acenar com as mãos para mim.
Não importava o fato de eu ser sua única filha, não importava que eu iria fazer minha segunda viagem internacional sozinha. Nada importava. Eu era só a Luana para ele. A Luana advogada que trabalhou dia-a-dia, sem folga, sem descanso e sem reclamar.
Peguei minha mala e tirei desajeitadamente a alça de puxá-lá. Dei uma última olhadela para trás na esperança de que se meus olhos vissem que não havia doutor Guilherme algum naquele lugar o meu coração desistisse de alimentar a esperança surreal de que ele poderia ir até ali.
Vi as pessoas se desperçarem, desfazendo a multidão e sem que eu percebesse, uma lágrima desolada e sorrateira escorreu do meu olho passando por cada curvinha da minha bochecha.
Respirei fundo e pisquei várias vezes para me livrar do restante das lágrimas, e passei uma das mãos para limpar a que tinha escapado contra minha vontade.
Balancei a cabeça, me recompondo e voltei a caminhar puxando minha mala.
Tentei me desligar daqueles pensamentos que estavam me desconcertando e pensar que eu estava, depois de tanto tempo, conseguindo enfim, respirar um ar puro.
Tailândia, ai vou eu!
☆☆☆Oiieh, olha só eu aqui com mais um conto😍!!
Se gostarem já sabem🌟.Desde já, muitíssimo obrigadaaa!!!😘
A Autora
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Abaixo das Luzes (Concluído)
Short StoryLuana sobreviveu durante três anos no escritório do pai aturando toda sua prepotência e arrogância. Ela se isolou de tudo para se dedicar ao trabalho, até que tomou uma decisão. Se demitir! A viagem para a Tailândia será o ponto de refúgio que ela t...