Q U A T R O

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Reno, 2021.

Apesar das dezenas de estudantes andando ao redor de White, conversando, mexendo em seus celulares, fazendo vídeos, tirando fotos, gritando, cumprimentando, jogando bolas de futebol americano. tudo ficou em silêncio. Naqueles breves três ou quatro segundos nos quais vislumbrou Melanie parada, sorrindo enquanto o encarava, qualquer outra coisa no mundo entrou em segundo plano. Não havia planeta terra, apenas ela.

Foi doloroso vê-la ali, mais do que em qualquer lugar. Dezesseis anos antes, quando estava com sua esposa no quarto de um dos maiores hospitais da Inglaterra, aquele dia passou pela mente de White como se ele pudesse viajar no tempo. Foi uma das primeiras coisas que pensou, quando a viu: sua Melanie, cabelos castanhos como os dos pais, com um sorriso animado, na faculdade. Sendo esperta e deslumbrante e tudo o que sobrenome White a tornaria capaz de ser. Por algum motivo, Harry não a queria seguindo os passos do resto da família, porque ter mais um detetive em mais uma geração parecia desperdício. Harry queria que Melanie dominasse o mundo. Um mundo sem crimes.

— Ela vai ser tão esperta quanto você — disse Natalie White, mexendo nas mãozinhas da filha recém nascida.

— Eu espero que ela fique tão esperta quanto você — contrariou Harry.

Foi uma das poucas vezes que chorou de alegria. A outra fora em seu casamento. Mas, claro, naquele dia foi mais forte, porque ele nunca havia pensado em ser pai e, então, de repente, era tudo o que queria fazer. Ser pai. Ser pai de Melanie. Levá-la para brincar no parque, aos bailes de pais e filhas da escola; talvez até ao cinema, quando quisesse ter seu primeiro encontro, apenas para se certificar que ela chegaria em segurança.

À universidade.

Pensou muito em leva-la até o campus, de algum modo nos Estados Unidos, e não na Inglaterra, porque Melanie seria agitada demais para permanecer em Londres; Harry a ajudaria subir com as caixas, convidaria sua colega de quarto para um almoço com Natallie em algum final de semana, e a deixaria para trás com muito orgulho e lágrimas nos olhos.

Foi extremamente avassalador olhá-la naquele momento, com o prédio do campus erguendo-se às suas costas, tão bem situada no meio dos outros jovens que parecia pertencer àquele lugar.

— Quem é ela? — perguntou Annelise, de repente parado ao seu lado.

Harry finalmente acordou, moveu a cabeça rapidamente e andou na direção de Melanie.

— O que você está fazendo aqui?

Melanie deu de ombros.

— Eu disse que não queria ficar no hotel.

Nenhuma reação partiu do detetive, que ficou encarando a filha insistentemente, como se o poder do seu olhar fosse fazê-la se mover.

— Volte para o hotel. Agora.

— Não. Eu quero ajudar.

Harry suspirou. Era impossível discutir com ela. Cada vez mais, de forma até mesmo irônica, sentia que seria melhor se os dois não fossem tão parecidos. Queria ter sido o dono da razão naquele dia, quando estava no hospital com Natallie, porque se Melanie fosse parecida com a ex mulher então seria a melhor pessoa no mundo.

Mas, não. Ela se parecia muito com Harry. Talvez a pior pessoa no mundo.

Uma pessoa tão ruim que, mesmo sabendo dos perigos, disse o primeiro pensamento que passou pela sua cabeça.

— Isso não é como Londres, Melanie. Estou trabalhando legalmente, não posso te envolver nas investigações — ela abriu a boca para falar, mas White levantou um dedo. — Contanto, não posso te impedir de andar pelo campus e fazer amizades. Principalmente com os alunos do primeiro período de Ciências.

Saco de Ossos (CONTINUAÇÃO DE QUEM MATOU SOFIA?)Onde histórias criam vida. Descubra agora