Alice

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36 anos.

Essa era a idade de Alice quando passou pela pior reviravolta da sua vida,ela tinha tudo,tinha virado uma grande executiva em São Paulo,tinha se casado com Edu um renovado advogado,tinha dois filhos maravilhosos,uma menina de catorze e um pequeno de dois aninhos,a coisa mais fofa.

Sua vida era perfeita.

Até o acidente.

Em um dia de chuva,a família no carro,um deslize,gritos,desespero,sangue,escuridão e um silêncio absurdo.

Do nada Alice acorda com o bip,do aparelho de hospital que media a sua freqüência cardíaca.
Ela abre os olhos,e depois os fecha imediatamente incomodada com a luminosidade das lâmpadas de hospital.

Ela abre os olhos agora cuidadosamente.

Alice: Onde eu estou?

Ela tenta se levantar,mais é empurrada devolta à cama.

Enfermeira: Desculpe senhora,an? Alice,né,a senhora tem que ficar em repouso.

A enfermeira diz sem tirar os olhos da prancheta,ela era tão nova pra estar ali,de certo uma estagiária Alice pensou.

Alice: O que aconteceu?
Cadê meu marido? Onde estão meus filhos?

Enfermeira: A senhora sofreu um acidente de carro,estava em coma faz dois dias.

Coma? Como assim dois dias,Alice pensou,porém a pergunta que pairava por sua cabeça era, e os outros?

Alice: Mas e a minha família?

Enfermeira: Sua família?

A estagiária vê em sua prancheta, e pela primeira vez olha nos olhos de Alice.

Enfermeira: Eu ainda não posso afirmar nada sobre eles senhora.

Alice se altera,a única coisa que ela queria, era ver seus filhos e Edu.
A estagiária chama o Médico,o mesmo aplica uma dose de calmante na paciente.

Depois de meia hora Alice acorda atordoada.

E o médico explica seu estado,mas não esclarece nada sobre a família,ele diz que ela terá que esperar a alta para qualquer informação.

Ela ainda ficou dois dias esperando a alta, aparentemente uma pessoa não pode sair andando normalmente depois que acorda de um coma.
Enfim,naquele dia Alice acordou assustada,com a companhia que estava ao seu lado.

Dulce: Calma querida.

Dulce era uma velha amiga de Alice,elas não se viam a um tempo,mesmo assim a mulher achou bem agradável ver um rosto familiar.

Alice: Dulce?

Dulce: Sim.

As duas conversaram por um bom tempo.
E sempre que Alice tocava no assunto família,Dulce mudava a conversa rapidamente.
O doutor chegou depois de umas horas dando a alta da senhora.

Alice ficou muito feliz,vestiu suas roupas e saiu do seu quarto acompanhada da sua amiga,chegando na área da recepção se sentou em um dos sofás.

Dulce olhou confusa para a amiga e perguntou.

Dulce: O que pensa que está fazendo?

Alice sorriu.

Alice: Esperando a minha família,eles vão ter alta hoje, não?

Um "O" se formou na boca de Dulce.
A mesma segurou nas mãos da amiga.

Dulce: Alice... Me desculpa amiga... Não soube como dizer antes... Eles não resistiram...

O mundo de Alice desmoronou naquelas três palavras.
Como assim:  Eles não resistiram?

Aquilo foi demais pra ela.
Tudo tinha acabado tão rápido.

Os dias seguiram com Alice chorando e Dulce enxugando suas lágrimas,Alice não pode nem ir aos enterros,a pobre mulher nem se quer conseguia se manter no chão sem que as pernas começassem a tremer.
Mas depois de duas semanas Dulce teve que ir embora,apesar de tudo ela tinha uma família,e tinha que cuidar deles.
Alice entendeu,nas palavras dela:

Quem déra eu, ainda ter uma família pra cuidar.

Depois da ida da amiga,Alice se sentiu tão vazia,mais vazia do que na semana passada,bem mais vazia do que na semana retrasada.

Olhar para aquela casa silenciosa,quase assustadora,sem as crianças fazendo bagunça,sem o marido reclamando do trabalho,sem a TV no volume mais alto enquanto passava um desenho animado qualquer,sem poder dar um beijo de boa noite,sem ao menos falar com alguém,a dor era tão grande.

Passaram- se seis meses.
Alice perdeu o emprego,até tentou ir no casamento da filha de Dulce,mas não conseguiu escolher uma roupa, sem a ajuda espontânea da filha Sophia que não estava mais ali.

Ela até tentava sorrir assistindo um filme na TV,mas toda vez lembrava o quanto Edu achava aqueles filmes chatos e longos demais.

Todos da empresa ligaram dando as condolências,Dulce retornou algumas vezes até a sua casa,um dia antes da morte de Alice,ela foi.

As amigas tiveram uma conversa pesada,se aquilo realmente pode ser chamado de conversa,pois Dulce não parava de gritar e dizer o quanto a amiga estava desleixada.

As palavras que mais marcaram a viúva foram.

Já se passaram quase sete meses Alice! Tem noção disso,quase um ano! E você ainda está assim.

Essas palavras marcaram Alice.
Foram como um soco no estômago que estava se recuperando de uma úlcera grave.

Sabe, as pessoas acham que à um tempo certo pro luto,talvez um ano?

Para Alice,nem se passassem milênios ela conseguiria lembrar do sorriso de duduzinho,sem chorar.

Pra ela o luto seria eterno.

Por isso ela chegou a conclusão de que o suicídio sería a saída mas óbvia,porque mesmo se não existisse esse tal de céu,ela não precisaria mais sofrer,porque ela não estaria mais ali.

Foi tudo planejado.

Ela pegou uma corda,as roupas de duduzinho,fotos da família levou essas coisas para o seu quarto e de Edu.

Arrumou a corda como em uma forca,porquê foi isso que eu presenciei,um enforcamento.

Eu também vi ela assistindo os vídeos da família nas férias no caribe ano passado,vi ela cheirando as roupas do bebê,ela abraçando o travesseiro de Edu.

O que ela pensou naquele momento foi.

Nós fomos felizes,fomos muito felizes.

Eu vi ela soltar a última lágrima,eu vi quando ela colocou a corda ao redor do pescoço,e eu me lembro bem de quando ela pulou e se debateu,e o que eu mais me lembro é de quando ela deu seu último suspiro,disso eu me lembro perfeitamente.

Depois de duas horas,Dulce apareceu no apartamento,aparentemente ela tinha esquecido um óculos.

Dulce: Alice? Tô entrando,cê deixou a porta aberta sabia? Alice!

Ela caminhou até o quarto.
E quando abriu a porta, não controlou as lágrimas,seus joelhos encontraram o chão.

No enterro,não apareceram mais do que seis pessoas.

Mas isso não importa mais agora,Alice não estava mas alí ela não se importaria nem se o próprio Papa fosse ao seu funeral.

O que importa é que nada mais importa.
Depois que acaba,não tem mas o que fazer,apenas acaba... Sem continuação,sem arrependimento,só saudade...

Alice agora não passava de uma estrela no céu.
Alice uma estrela...

Estrelas SuicidasOnde histórias criam vida. Descubra agora