Capítulo 8

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- Eu preciso me inscrever na Universidade mais próxima daqui. Qual é?

Frank e Charlie estavam na cozinha tomando café da manhã e ambos me olhavam como se eu fosse meio perturbada. E eu estava. Li e reli aquela carta até meus olhos lacrimejarem de sono. Jimmy tinha um plano pra mim e a menos que todas as dez cartas escritas por ele fossem lidas, eu jamais descobriria do que se tratava.

- Não sabia que queria fazer faculdade. - Frank comentou.

- Não é que eu queira - ponderei - é mais uma necessidade.

Charlie encarava Frank como se quisesse urgentemente participar da conversa. Eu não fazia ideia de como me comunicar com ele, mas seu olhar de afeto me ganhou desde o primeiro momento. Todos da casa se comunicavam com Charlie em língua de sinais e com Frank não foi diferente. Suas mãos estavam em perfeita sincronia elaborando uma forma de contato totalmente desconhecida pra mim. Esperei pacientemente aqueles longos minutos silenciosos.

- Charlie disse que você pode tentar na Northwestern. Mas depende do curso.

Pensei um pouco antes de responder. Não contei das cartas, e não queria ser motivo de chacota para minha desconhecida família. Revelar o motivo do meu interesse repentino em medicina estava fora de questão.

- O senhor pode me levar até lá?

- Ah minha querida, eu até levaria. Mas não dirijo há anos. Recomendações médicas. - diz sussurrando.

- Entendo - suspirei frustrada - se ao menos eu soubesse como chegar?

- Como chegar aonde?

Nance adentra a cozinha com Jessie ao seu lado. Sua feição já não era tão ruim quanto da noite anterior, mas mesmo sem abrir a boca ainda sentia sua antipatia por mim.

- Ao centro de Beaufort - Frank responde por mim - creio que ela está querendo seguir os passos de Jonathan.

- Quem é Jonathan? - dou de ombros e sinto o olhar de Nance escurecer. Ela parecia querer mandar alguma mensagem facial que Frank não capturou.

- É meu filho mais velho - respondeu claramente desconcertado.

- Engraçado que esse nome não me é estranho. - tentei puxar da mente, mas nenhuma lembrança sólida vinha.

- Creio que sim, vem vamos eu te levo. - Nance parecia bem nervosa com tema da conversa.

- Não precisa se incomodar - ainda estava envergonhada de meu episódio anterior.

- Estou indo ao centro também Gia. Vamos.

Beaufort não era considerada uma cidade grande, mas tinha sim os seus encantos. Fiquei completamente encantada por morarmos tão perto da praia. Estava vazia,  claro. Ninguém se atreveria a entrar numa água congelante, de certo nem os mais aventureiros surfistas. A cidade ganhava um tom um tanto melancólico, com o céu cinza e os pequenos flocos de neve que ainda caía. Por um segundo - ou um milésimo de segundo - poderia me perder naquela paisagem e esquecer que minha vida estava um caos. Mas minha mente e principalmente o meu coração não me permitia esquecer. Qualquer coisa me lembrava Jimmy. Era torturante aquilo tudo. Depois de Nance deixar Jessie sabe-se lá onde, pois não ousei perguntar, ficamos a sós na caminhonete.

- Então você quer estudar na Northwestern?

- Não era meu plano inicial, mas... - encarei o assoalho do veículo - Eu ia estudar na Ruston.

- Sua mãe sabe disso?

- Acho que ela não está muito interessada no que acontece na minha vida.

Minha garganta deu um nó. Mais uma vez aquele sentimento de rejeição me tomou conta.

- Eu não entendo - Nance me encarava - mandar você pra cá, depois de uma perda terrível, não foi uma atitude muito sensata da parte dela. Eu jamais faria isso com Jessie.

Meu nariz ardia como fogo e meu peito doía na mesma proporção. A encarei de volta.

- Quem dera ter tido a mesma sorte que ela então. - antes que ela pudesse protestar, continuei - Me desculpe por ter sido tão grossa com você.

- Tá tudo bem, nem lembro mais o que a senhorita falou - brincou dando uns tapinhas na minha mão. - Acho que você desce aqui.

Dei de ombros e avistei a enorme universidade atrás de mim.

- Se precisar de ajuda com a inscrição ou se você não souber voltar pra casa, é melhor se virar porque não vou poder te atender.

Nance e eu gargalhamos segundos antes de saltar da caminhonete barulhenta, e ir em direção ao prédio.

Havia poucos alunos do lado de fora, ou estavam todos lá dentro ou o ano letivo daqui se iniciava depois do inverno. Lembrei de como fiquei completamente furiosa quando minha mãe me obrigara a cursar administração. Enrolei tanto a ponto de nem sequer fazer a prova. Ironicamente estava a um passo de fazer a mesma coisa: deixar meus sonhos de lado em prol de outra pessoa.

A Universidade de Northwestern era gigantesca. Parecia maior do que a própria cidade em que ela pertencia. Avistei alguns estudantes no corredor, e até pensei pará-los pra pedir informação. Mas minha auto confiança se esvaira a tal ponto, por achar que ninguém se prestaria a esse papel.
Andei por mais alguns metros a procura da administração da universidade e tudo que encontrei foi mais corredores. Senti uma vontade enorme de gritar por perceber que estava andando em círculos.

- Perdida? - alguém se aproxima de mim - Porque parece que está.

Ele era alto, cabelos levemente ondulados e tinha uma pequena cicatriz no canto da boca e me repreendi em pensamento por reparar em tantos detalhes em poucos segundos.

- Talvez eu esteja - respondi sem jeito.

- Você é nova aqui?

- Talvez... - que tipo resposta era aquela?

- Tudo bem já entendi. Você não gosta de conversar com estranhos. Meu nome é Peter.

Sua mão estendida me dava um sinal de que deveria fazer o mesmo.

- Gia.

- Prazer em conhecê -la Gia. E já que não é muito de papo não vou incomodar. Se estiver procurando a secretaria, é logo no fim do corredor.

O vi se afastando de mim sem ao menos agradecer decentemente. Eu tinha sérios problemas em me relacionar com o sexo oposto. Me distrair com os inúmeros folders que peguei na entrada, contendo os cursos que eram oferecidos e até mesmo as moradias disponíveis para morar ali, que nem percebi o esbarrão de um garoto voando que passou por mim me jogando no chão junto com todos eles.

- Não olha por onde anda não? - xinguei por puro instinto.

- Foi mal garota eu não te vi.

Nossas mãos se tocaram pegando os papéis antes mesmo de ver a quem pertenciam aqueles dois pares de lentes fundo de garrafa.
Sua feição mudou em um segundo.

- Você aqui?

- O quê tem eu ?

- Não lembra de mim? - nem precisei sequer forçar a memória.

- Haiden?

Pelos seus OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora