Capítulo 26

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O mar se agitava bastante impelido pelo vento, mas a maré estava começando a recuar. O início de fevereiro ainda traria chuva e frio constantes, porém não tão insuportáveis como dezembro. Nance já havia dito que Beaufort surpreendia com sua beleza nessa época do ano, especialmente na primavera. Estava anciosa para ver.
Avisto Haiden de longe sentado na beira de um cais quebrado. Seu cabelo como sempre bagunçado, se elevava à cada vento forte. Dessa vez ele me viu antes de eu me aproximar. Teria sido uma entrada perfeita, se eu não tivesse tomado um belo tombo na mistura de areia molhada com raspas de gelo.

- Ai! - Gemo de dor por ter virado o pulso.

Haiden tenta correr até mim.

- Machucou? - Aperta os lábios.

- Se você rir da minha desgraça, eu quebro esses óculos na sua cara.

- Eu não estou rindo - tenta disfarçar apertando ainda mais os lábios.

- Idiota. - Jogo areia nele.

- Tem certeza? Porque é você quem sempre cai quando chega aqui. Não eu.

- Rá rá que engraçado. Anda, me ajuda aqui.

Em apenas uma puxada Haiden me ergue do chão. Talvez ele não fosse tão franzino quanto eu imaginava.

- Caramba você se machucou feio! - Sua feição muda de repente.

- O quê? Por que disse isso? - Levo uma mão ao rosto procurando por ferimentos.

- Tem um machucado gigantesco acima dos seus olhos.

Passo novamente a mão, para ver se sangrava, e ao invés disso, consigo sentir a elevação da minha cicatriz.

- Droga...

- Que foi?

- Deve ter escorrido com o suor.

- O quê?

- A maquiagem.

- Pra quê?

- Pra esconder isso aqui. E pra evitar um interrogatório igual a esse.

- Desculpa perguntar, mas... - Fitou-me - por que esconde?

- Acho que pelo mesmo motivo de você nunca usar bermuda.

Seu olhar fixa o chão.

- Estamos no inverno.

- A gente está na praia, e você aí de calça.

- Ora, queria que eu estivesse sem? - Pergunta com um tom de voz brincalhão.

- Não mesmo.

Haiden dá alguns passos mais perto. Sinto um cheiro de loção ou algum perfume barato.

- Essa é a sua marca do acidente?

- Meu irmão morreu, enquanto eu só consegui essa maldita cicatriz. - Sinto uma angústia invadir meu peito - E ainda tento esconder...

- Não tem necessidade de se martirizar desse jeito.

- Sei disso, mas é que... É injusto.

Virei os olhos e pigarriei. Haiden não percebeu, mas eu estava tentando não chorar.

- Já vi que não sou o único que tem algo a esconder.

- Fiz isso pra não ter que contar a mesma história vez após vez. É doloroso demais. Mesmo que eu não lembre de quase nada.

- Qual sua última lembrança? - Seu tom de voz parecia sincero. E por incrível que pareça não me reprimia conversando com ele.

- Estilhaços de vidro, uma luz forte e depois acordando no hospital. Meu tio cheio de olheiras e pálido. Mas acho que no fundo eu já sabia.

Pelos seus OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora