Capítulo 24 - Bônus

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- Haiden, cadê sua perna?

Ele olha pra baixo, aparentemente envergonhado.

- Estou procurando por ela.

- O quê? - Arqueio as sobrancelhas, tentando entender o sentido daquela frase. Geralmente nossas conversas eram bem confusas, mas o nível ficava mais alto a cada dia.

- Eu não falei no telefone, porque fiquei com vergonha. E eu não gosto de ir de muletas para o campus.

De repente tudo se clareou pra mim. Me senti uma estúpida por não ter percebido antes, e ligado os fatos.

- Haiden - me aproximo dele - você não tem uma perna?

- Não. Perdi há alguns anos.

Seu tom de voz era cômico, mas duvido que por dentro ele sentia graça.

- Como? - Meu estoque de perguntas decentes havia se desgastado.

- Cirurgia.

Seus olhos fitavam os meus e eu temia estar fazendo novamente aquela expressão de pena. Desvio o olhar para distrai-lo.

- Tem mais alguma coisa que eu precise saber?

- Bom... Eu tenho 22 anos, dou aula de piano, detesto suor, mas suo o tempo todo, nasci em Louisiana, éramos vizinhos, você me detestava e Jimmy era o meu melhor amigo. Pronto, sem segredos.

- Não perguntei da sua vida pessoal.

Haiden larga as muletas e cai no sofá.

- O que quer saber?

Respirei fundo e percebi que minha garganta estava seca.

- Tem cura?

- É um estágio 4, então...

- E o que a gente pode fazer pra que não vire um 5?

Ele semicerra os olhos, meio incrédulo.

- Tem certeza que quer fazer medicina?

- Claro - respondo sem firmeza na voz.

- Então deveria saber que não existe estágio 5.

Eu sabia, lá no fundo. Mas me recusei a acreditar no momento que cheguei à essa conclusão.

- Que droga.

- É - olha pra cima - uma droga mesmo. Agora, pode me ajudar a achar minha prótese?

Tentei não piscar, pois um movimento brusco seria o suficiente para as lágrima virem à tona. Apenas aceno positivamente com a cabeça.

Procurei no seu quarto, enquanto ele procurava do lado de fora. Eu já estive aqui uma vez. Diferente daquele dia, o cômodo estava extremamente arrumado. Numa estante do lado da cama, havia uma pilha de livros, CDs e discos. Num mundo completamente online, fiquei impressionada com seu gosto por coisas antigas. Eu parecia um zumbi procurando sem saber bem pelo o quê. Minha cabeça estava longe dali. Espirro com a poeira do guarda roupa e a lágrima que tanto segurava cai com facilidade. Ouço Haiden me gritando, dizendo que conseguira achar.

- Minha mãe sempre esconde essa porcaria. Se bem que essa porcaria é que me mantém de pé, então desculpa meu bem. - Alisa a prótese de modo carinhoso.

- Quer ajuda? - Pergunto, já agachando.

- Não! - Seus olhos se abaixam - Eu sei fazer sozinho.

Aceno com a cabeça.

- Pode me dar licença? É rápido.

Ele parecia sem jeito ao me pedir aquilo, mas não questionei seu pedido. Eu tinha o trabalho de ter de esconder minha cicatriz toda manhã. Posso imaginar o sentimento de vergonha por ter um dos membros do corpo faltando.

- Te espero lá fora. - Saí sem olhar para trás.

- Bora? Estou novinho em folha.

Meus olhos instintivamente pousaram em suas pernas. De calça, não dava mesmo pra perceber.

- Se você puder manter isso entre nós dois...

- Por que acha que eu contaria? - Minha voz fraqueja.

- Sei que não vai. - Ele tira um capacete de trás das costas, esticando-o pra mim.

- Pra quê isso?

- Proteção. - Responde já ligando a lambreta.

- Não vou andar em cima disso de novo.

- O problema é a moto ou o piloto? - Arqueia as sombrancelhas.

- Os dois.

- Eu deveria ficar ofendido com isso, sabia?

- Eu quase morri em um acidente. Eu é que deveria me ofender.

- Faria sentindo se você nunca tivesse andando comigo.

- É, mas... - Recuo - É diferente.

Haiden olha para as próprias pernas, o que me faz sentir um calafrio por dentro.

- A diferença agora é que você sabe que eu tenho um pedaço de metal acoplado no joelho. Não é?

Cansado de segurar o capacete reserva, ele o coloca no guidon e da partida na lambreta. Não me movo um centímetro, enquanto o vejo se distanciar.

Começo minha caminhada lentamente, apenas perdida em meus pensamentos. Não sei o que me pertubava mais: descobrir que Haiden era um paciente terminal, que havia passado por uma amputação ou que ele não dava a mínima pra isso tudo. Pelo modo como se comportava, parecia não fazer diferença pra ele viver ou morrer. Essa ideia mórbida fez minha cabeça doer. Tentei achar uma árvore para escorar, mas só havia uma do outro lado da rua. Minha cabeça doía tanto que comecei a sentir choques pelo corpo. Largo a mochila no chão e sento no meio fio, pressionando minhas têmporas com as duas mãos.

"Calma Gia, vai passar". Repetia em voz baixa como uma oração.
Apalpei a mochila procurando meu celular, mas no desespero da dor nada parecia estar ao meu alcance. Sentindo que estava perdendo a força, deito no gramado atrás de mim. De longe ouço roncos de motor.

- Gia!!!

Sem força para abrir os olhos, reconheço pela voz que Haiden se aproximava.

- Ei - me ergue do chão, pondo-me sentada - olha pra mim. Não apaga por favor. Eu não sei o que fazer!

- Preciso do meu remédio - balbucio.

- Não tem nada aqui. Só livros. - Dá batidinhas de leve no meu rosto - Eu não ia te deixar pra trás. Mas eu fiquei com raiva. Ver você me olhando daquele jeito, com pena de mim...

De repente, meu cérebro parece esquecer da dor. Seu olhar desesperado pela minha condição e a dor que ele exalava foi o suficiente para que eu perdesse completamente a noção do tempo. E de mim mesma. Sei disso, porque foi o que senti.
Quando as forças se esvaíram de mim, e eu apaguei.

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Caros leitores venho por meio dessa plataforma para desculpar-me pela demora em postar. Minha mente criativa não está colaborando nem um pouco com a minha pessoa, mas enfim... Capítulo postado e de presente fiz um vídeo pra vocês conhecerem melhor como eu imagino os personagens.
Espero que gostem (é sério)..
Vocês são top!

Pelos seus OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora