Capítulo 8 - Apenas Esqueça

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Alguma coisa vibrava em seu bolso, e Haddad tinha a impressão de que deveria estar vibrando há tempos, ainda atordoado pelo sono, sentou-se no sofá (que não era o da casa dele) e atendeu, sem sequer checar quem era.
- Alô? - disse roucamente, a luz das enormes janelas de vidro o cegavam e ele teve que apertar os olhos.
- Onde você está? - Haddad não conseguiu identificar de quem era aquela voz, por conta do sono.
- Quem é? - resmungou rouco.
- Ué - o homem do outro lado respondeu. - É o Rodrigo, Fernando. Cê tá bem?
- Ah, tô, tô bem… E você? - Haddad disse, ainda atordoado.
Ele olhou à volta, procurando Bolsonaro, mas o outro provavelmente teria ido dormir na própria cama no meio da noite.
- Estou bem… - Rodrigo respondeu, sua voz abafava um riso. - Você dormiu fora, foi? - perguntou interessado.
- Hum… Sim. - Haddad respondeu, não querendo de forma alguma que o outro perguntasse onde.
- Com quem? - Rodrigo perguntou risonho.
- Ninguém. - Haddad disse depressa. - Nem queira saber, na verdade.
- Hum… - Rodrigo estava rindo. - Fala, Nando, não conto pra ninguém...
- Não, esquece isso… - Haddad respondeu depressa.
- Tá bom... - o outro cedeu, ainda dando risada. - Vai pra casa e toma um banho, a gente tem muito o que fazer hoje. - aconselhou.
- Temos, é? - Haddad perguntou desanimado, a verdade é que ainda estava exausto do dia anterior, e passara a maior parte da noite conversando com Bolsonaro e dando uns amassos quando o tesão falava mais alto.
- Sim. - Rodrigo disse resoluto. - Não precisa ter pressa, mas 10:00h quero você pronto para a palestra na USP.
- USP? Puta merda, tinha me esquecido... - Haddad disse, levantando-se de supetão, Bolsonaro vinha caminhando de algum lugar e Haddad escutou seus passos arrastados, até que o viu surgir, sonolento e mal humorado, na abertura que ligava o corredor dos quartos com a sala.
Haddad assentiu para ele.
Bolsonaro apenas o olhou, sonolento, os cabelos de ambos, geralmente assentados, estavam um ninho.
- Como assim, esqueceu? Eu combinei isso há dias, Fernando. Só me diga que você tem o discurso pronto, pelo amor de Deus - Rodrigo disse alarmado.
- Tenho, claro que tenho - Haddad resmungou, olhando para Bolsonaro, a situação estava se tornando constrangedora novamente.
- Certo, então, como eu disse, não precisa ter pressa, apenas esteja lá na hora certa.
- Ok, Rodrigo. - Haddad resmungou, fechando os olhos impaciente. - Bom dia, vou desligar.
- Ei, eu ainda vou querer saber onde você dormiu… - Rodrigo brincou.
- Só esqueça… Não posso falar.
- Certo, bom dia, até 10:00h, então - Rodrigo disse animado.
- Até.
Haddad encerrou a ligação e guardou o celular no bolso, voltando a encarar Bolsonaro, pensou em dizer "Bom dia" mas não conseguiu falar nada.
- Quem é Rodrigo? - Bolsonaro perguntou roucamente.
- Meu acessor, é aquele rapaz que estava com a gente no elevador… - Haddad explicou.
- Hum… - Bolsonaro murmurou, lembrando-se com clareza do rapaz que tentara segurar seus braços no dia do elevador.
- Eu preciso ir embora. - Haddad murmurou.
- Ok, certo...
- Bem, hum… Então eu vou indo… Tchau... - Haddad disse hesitante, virando-se para a porta que dava na entrada da casa.
Bolsonaro não queria que ele fosse.
- Você vai sair com o cabelo desse jeito? - deixou "escapar".
Haddad não via nenhum espelho ao alcance, então não sabia como estava.
- Hum… Está tão ruim assim?
- Sim. - Bolsonaro afirmou, assentindo exageradamente com a cabeça.
Haddad tentou assentar os cabelos, mas era impossível saber como estava sem um espelho.
- Onde tem um espelho? - perguntou timidamente.
Bolsonaro só fez um sinal para que ele o seguisse e saiu caminhando, com Haddad ao seu encalce, de repente ele abriu uma porta - a de seu quarto - e esperou Haddad passar, apontou a porta do enorme guarda-roupa lustrado para Haddad, que se aproximou, muito tímido, para arrumar o cabelo no enorme espelho.
Aquele quarto tinha o cheiro de Bolsonaro, e somente o dele, o que levou Haddad a chegar a conclusão de que a mulher não dormia ali há muito tempo, pensou em perguntar sobre o divórcio dele, mas achou que o assunto poderia de alguma forma recair sobre o seu próprio divórcio, e ele não queria correr esse risco.
Talvez estivesse se demorando de propósito, e seu cabelo não estava tão bagunçado assim, Bolsonaro o observava e vinha se aproximando, muito devagar, Haddad fingia não notar a aproximação tímida do outro, mas isso se tornou impossível quando Bolsonaro, movido por uma coragem que não costumava ter, o agarrou por trás, colocou as mãos em sua cintura e o puxou para perto suavemente, enquanto cheirava seu pescoço, Haddad já havia esquecido do cabelo, de todo o resto, na verdade, e deixou Bolsonaro continuar o trabalho, o mais velho beijou seu pescoço, Haddad sufocou um gemido e moveu uma mão ousada até o membro de Bolsonaro, Haddad esperava que ele fosse se afastar, mas ele deixou tranquilamente e um gemido rouco escapou de sua boca, ambos haviam entrado numa espécie de transe, mas um barulho de vozes femininas e sacolas foi ouvido de alguma outra parte da casa e isso os despertou, havia alguém lá.
Bolsonaro se afastou rapidamente, Haddad o encarou em pânico, havia alguém lá, céus, havia alguém lá!
- Entra aqui! - Bolsonaro sussurrou desesperado, abrindo o guarda-roupa e pedindo para Haddad se enfiar no meio de seus ternos e - Haddad notou isso com muita desconfiança - os vestidos de sua mulher, que ela ainda não levara.
Haddad não tinha muita opção, então simplesmente obedeceu e se enfiou lá dentro, o coração batendo tão rápido que ele conseguia quase escutá-lo.
Bolsonaro sumiu pela porta, Haddad escutou um grito de criança e risadas, definiu que devia ser a filha de Bolsonaro, que tinha vindo vê-lo, e a outra voz devia ser da ex - será que era ex mesmo? Haddad se perguntava. - mulher de bolsonaro.
Ele continuou ouvindo vozes, mas não conseguia entender nada do que elas falavam, e depois de um tempo, notou com um pânico crescente que elas estavam se aproximando do quarto.
A mulher de Bolsonaro adentrou o aposento com Bolsonaro e fechou a porta.
- Aqui? - Bolsonaro perguntou nervoso. - Vamos conversar em outro lugar, Chelli…
- Não quero que a Laura ouça. - a mulher respondeu ríspida.
- Amor, ela já percebeu, não finja que não, ela não é um bebê, sabe muito bem o que está acontecendo. - Bolsonaro disse com sensatez.
Haddad sentiu uma pontada de ciúmes ao escutar o outro chamando a ex de "amor", mas se reprimiu por isso, ele não era nada de Bolsonaro, não tinha o direito de se enciumar.
- Eu sei. Mas quero conversar com você sobre... Hum… Sobre tudo… - Michelle disse hesitante.
- O quê exatamente? - Bolsonaro perguntou, achando que a mulher finalmente voltaria atrás sobre sua atitude impensada de se afastar.
- Bem… Não sei se…. Não sei se ainda quero… Bem… Me afastar. - ela disse, comprovando as suspeitas de Bolsonaro.
- O quê? Jura? - Bolsonaro disse esperançoso.
- Sim… Eu… Eu sinto muito… - a mulher disse, Haddad notou por sua voz que ela parecia à beira das lágrimas, estava extremamente enciumado, e não adiantava negar ou tentar reprimir, estava com raiva, Bolsonaro estava voltando com sua esposa, e ele ficaria de lado nessa história, fora só uma aventura. Sabia que era absurdo pensar nisso, Bolsonaro deveria amar a mulher, e jamais abriria mão dela e da filha por um homem, ainda mais se esse homem fosse seu adversário político, mas não conseguia evitar se sentir assim, o que era absurdo pois eles só haviam trocado beijos.
- Tudo bem… - Bolsonaro a consolou, Haddad não estava vendo, mas ele estava abraçando-a. - Tudo bem, eu entendo…
Haddad teve uma leve suspeita do que estava acontecendo lá fora, seu coração ainda batia acelerado, pelo medo da mulher de repente ter a ideia de abrir o guarda-roupa e pelo fato de estar com raiva.
Ele escutou Michelle fungar, ela estava chorando.
- Quando você volta, então? - Bolsonaro perguntou.
- Hoje mesmo, se você quiser… - ela respondeu chorosa. - Só preciso buscar algumas coisas na casa da minha mãe…
- Certo. - Haddad percebeu pela voz de Bolsonaro que ele estava sorrindo. - Vamos falar com a Laura…
Haddad escutou os dois saindo e a porta sendo fechada, logo depois os passos foram ficando distantes, e ele voltou a respirar normalmente, nem sabia que havia feito isso.
E pensar que há alguns dias atrás odiava Bolsonaro com todas as forças, e agora estava ali, enfiado no guarda roupa dele e enciumado.
Absorto em pensamentos nada agradáveis, ele não viu o tempo passar, e nem notou quando as vozes cessaram e Bolsonaro adentrou o quarto.
Muito de repente, ele abriu as portas do guarda roupa e encarou Haddad.
- Elas foram buscar as coisas... - ele comentou.
- Hum… Ela não notou meu carro? - Haddad perguntou, pensando nisso pela primeira vez.
- Ainda não, mas vai, então tira ele de lá. - Bolsonaro disse, meio exasperado, parecia estar morrendo de pressa para que Haddad saísse de sua casa.
Haddad notou isso, e não pôde deixar de se magoar.
- Hum, ok. - respondeu, saindo do quarto e seguindo para a saída, Bolsonaro caminhava em seu encalce.
- Fico feliz que tenha voltado com a sua esposa. - Haddad disse, sem saber porquê, talvez só quisesse provar para o outro que não se importava, eles estavam parados no portão.
Bolsonaro lhe deu um sorriso muito sem graça e o encarou profundamente, Haddad interpretou esse olhar de forma errada e se aproximou de Bolsonaro para beijá-lo, mas este virou o rosto.
- Não… Fernando… - ele disse hesitante, com Fernando ainda colado nele, embora sem tentar beijá-lo. - Eu voltei com ela, você escutou… Só esqueça o que aconteceu na noite passada, ok?
Aquilo doeu, mas ele fingiu que estava tudo bem.
- Esquecer? Ok. - respondeu indiferente. - Certo, bom dia pra você, Bolsonaro. - sua voz expressava uma formalidade que indicava muito claramente à Bolsonaro que ele estava magoado.
- Pra você também… - Bolsonaro respondeu, sentindo um peso muito grande ser retirado de suas costas ao escutar o outro fechando a porta do carro e saindo.
Mas não seria um bom dia, nem para ele, e nem para Fernando, que deu a primeira olhada do dia no relógio de pulso e viu, sentindo seu coração se apertar infinitamente mais do que já estava: 10:30am.
Ele até gostaria de poder fazer o que Bolsonaro lhe pedira, "Esqueça o que aconteceu". Mas como faria isso? Bolsonaro tinha a mulher e a filha, ele, por sua vez, não tinha absolutamente ninguém, era um sozinho da vida, e a pessoa mais próxima dele era também seu acessor, pisando forte no acelerador, ele sentiu seus olhos marejarem, com a certeza cada vez maior de que sua vida era um lixo.

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