Capítulo 9 - Aspirina Não Mata

416 25 0
                                    

Haddad sabia que nem de longe seu visual se adequava ao de alguém que pretendia dar uma palestra na USP São Francisco, seu cabelo desgrenhado, suas olheiras e olhos vermelhos, e aquela mancha escura na camisa que se assemelhava muito à vinho (o que de fato era) indicavam claramente uma noite de bebedeira e irresponsabilidade, o que lhe deixava em uma posição extremamente desagradável para aparecer na frente de quase 200 pessoas.

Se ele não estivesse com quase uma hora de atraso, com certeza teria se demorado por um tempo no saguão, analisando as imponentes escadas e quadros enigmáticos que tempos atrás faziam parte de sua rotina: Ele estudara lá, cinco longos e maravilhosos anos, e fora lá que descobrira sua vocação política, ao se candidatar à liderança do Centro Acadêmico XI de Agosto, onde conseguira ser eleito e lutara com os apoiantes e colegas pelo movimento das Diretas Já.

Mas ele não tinha tempo algum para nostalgia e lembranças, quase uma hora de atraso, mais dez minutos e seria uma hora, Haddad não fazia a menor ideia de que tipo de desculpa daria para justificar tamanha irresponsabilidade, seu rosto abatido e sonolento com o combo da camisa manchada o entregavam completamente: Ele passara a noite bebendo, e perdera a hora. Ele subiu as escadas sem prestar o mínimo de atenção à nenhum detalhe, já havia esquecido sua melancolia por

Bolsonaro, coisas muito mais sérias estavam em jogo ali naquele momento.

Não havia uma alma viva sequer nos corredores e ele até pensou na possibilidade de o evento já ter acabado e ele estar completamente sozinho naquele palácio, felizmente, ou não, Haddad começou a escutar um burburinho de vozes ao chegar ao patamar do terceiro andar, andando com passos enormes e apressados, ele se dirigiu em direção às vozes, que vinham de uma sala no fim de um corredor, para sua sorte, Rodrigo saiu da sala antes que ele chegasse até a porta.

- Onde você se meteu?! - ele exclamou chocado. - Quase uma hora de atraso, Fernando… Caramba… Você sequer tomou banho… - disse, ao analisar o semblante e a roupa de Haddad.

- Desculpa, não deu tempo. - Haddad respondeu. - Ainda vou poder falar?
- Vai, provavelmente vai, só que… Caramba… Você está pessimo, tá todo mundo engravatado lá dentro, o reitor tá no palanque falando enquanto você não chegava…  E tu não pode entrar lá assim... - disse, fitando a mancha escura de vinho na camisa do outro.

Haddad sabia que não, mas viu a solução surgir diante de seus olhos num instante.

- Me dá o seu terno. - pediu.

Rodrigo começou a tirá-lo do corpo sem hesitar e ali mesmo, o momento pedia pressa, logo ele estava apenas com a camisa e a gravata pretas, e estendia o terno para Haddad.

O mais velho era bem maior que Rodrigo, mas o terno coube com perfeição e Rodrigo até se surpreendeu com o efeito que um terno podia causar, Haddad antes parecia desleixado e bêbado (e ele sequer duvidava que ele estivesse mesmo), agora já exibia uma imagem mais séria, só seu cabelo que estava desgrenhado demais.

- Seu cabelo, tenta arrumar… - pediu apressado.

Haddad passou os dedos no cabelo tentando fazê-lo ficar assentado, mas só piorou a situação.

- Não, não… - Rodrigo murmurou impaciente, aproximando-se de Haddad e tentando arrumar o cabelo dele. - Pronto. Entra logo, eu vou lá embaixo rapidinho…

Haddad somente assentiu e seguiu o que o outro lhe pedira, no instante seguinte se viu sendo encarado fixamente por todos os presentes na sala, era uma típica sala de Direito da USP, que se assemelhava muito a um tribunal, e pelos olhares que recebeu, Haddad se sentiu literalmente em um, o reitor havia se calado no instante em que ele aparecera na porta, e agora aguardava silencioso a aproximação de Haddad.

Haddad & Bolsonaro | O InesperadoOnde histórias criam vida. Descubra agora