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Amor de filho

Um anjo desceu naquela noite, coberto de sangue com um bebê no colo. Desceu à terra e entregou-o a Deusa Mãe. Sem pensar, ela quis semear aquela alma, já que fora um anjo quem a trouxe. Mas quando o cobriu de terra úmida seus olhos se abriram e de sua boca jorrou um som estridente que cortava as raízes e empobrecia o solo.
-Este não é um dos meus. É um humano.
-Humano desprezível!- disse o Deus sol.
Olhando no infinito de seus olhos pretos e pequenos como a noite, ela decidiu que iria criá-lo mesmo que o Deus dos Céus não estivesse de acordo.
O sol jurou ser teu inimigo. Dia a dia ele queimava sua pele, deixava-o com sede e fervia o chão para machucar aqueles pés.
Mas a Mãe nunca saíra do seu lado, tanto que reproduzia sombra para aliviar a dor de seu querido bípede.
Mas aquilo um dia chegou aos ouvidos do mal.
Seus olhos enfurecidos transformavam em brasa tudo aquilo que tocava. Sabendo da existência de uma alma impura vagando pelo que o foi prometido, ele decidiu fazer do tempo um aliado. Juntos combinaram de trazer a destruição ao homem.
Mas, por mais que o esforço era grande, a Mãe sempre dificultava as coisas. Fazia da vida do homem um espetáculo: produzia flores, frutos e plantas de diferentes cheiros, cores e sabores, transformava tudo em festa, mesmo que este vivesse por apenas 200, 100 ou 50 anos.
Até que um anjo voltou. Este, desta vez limpo, trouxe dentro de si uma espada, para separar a Mãe de seu filho querido. Aquele anjo maldito cortou do homem sua parte natural e deu-lhe a razão. A Mãe com lágrimas nos olhos enterrou-se no fundo d'uma poça d'água e ficou olhando seu filho querido deixar a sombra de seu peito para queimar os pés no mundo de solidão.
Tudo agora estava perdido. Ele cortava o colo de sua mãe para construir sua casa, ele matava os irmãos para saciar-se e não sentia nada. Subitamente nada. Sentia fome, sentia desejo, sentia vontade. Mas não sentia amor, não sentia amado, não sentia nada.
Da Mãe sobrou apenas o reflexo de seus olhos lacrimejantes nas poças de água que ela deixara cair e as árvores que ainda tentam fazê-lo impressionado.

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