Prólogo

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"Estou em casa. Eu pensei. E me surpreendi com o pensamento (...)" (A Maldição da Residência Hill)

Tanto tempo havia se passado e ele estava ali de novo. Quase achou que estivesse sonhando quando a janela do avião vislumbrou a cidade que tanto conhecia e chamava de lar. De certo modo, se sentia extremamente estupefato em estar ali. Sempre achou que quando retornasse estaria de corpo fechado sobre um caixão ou em um pote de cinzas. Mas o destino tratou de mandá-lo de volta,mesmo que não fosse do mesmo jeito que partiu. E quando finalmente pôs os pés naquele chão se sentiu tomado por um maremoto de lembranças que nunca realmente havia esquecido. 

"Hey, Wayne!" A voz próxima a Wayne o piscar os olhos com força e os abrir antes que o outro surgisse. "Você está bem?!" Demorou a surgiu um semblante preocupado de um homem negro e alto em seu campo de visão. Era seu chefe. General De La Veccio.

"Estou ótimo." Sorriu convincente. O homem o olhou como se buscasse qualquer vestígio de mentira na expressão dele, sem sucesso.

"Vá pra casa e descanse o máximo que puder. Vejo você semana que vem." O General lhe apertou os ombros e se afastou deixando-o com o vento da pista de pouso. 

[...]

O corpo jogado contra a cama sufocou. A temperatura aumentava como se o inverno não caísse em peso da janela para fora. As mãos que a tocavam faziam um tour por cada linha e traço em pele macia onde pudesse chegar, era como se estivesse desbravando uma ilha a meio mar que jamais viu. E era o que ela mais adorava nele. Podia sentir seu corpo reagir em automático mantendo-o consigo como se pudesse fundi-lo ao seu corpo de uma vez só para então não se soltar. Aquele breve momento a fazia se perguntar porque queria-o tão distante amanhã se não queria que aquele momento acabasse.

Porém, o toque estridente da campainha desmanchou não só o clima quente como os pensamentos confusos dela consigo.

"Helena, deixa tocar!" Ele reclamou manhoso, mas ela apenas deu um selinho em seus lábios macios e o empurrou para cama.

Quando caminhou para fora do quarto deixando um loiro semi nu em sua cama bufando, por um lado sentiu raiva de quem havia os interrompido, mas estranhava o alivio em seu peito sobre seus pensamentos muito confusos.

E quando a porta foi aberta entendeu, em parte, o alívio em seu peito. Mas a surpresa foi grande demais para que notasse naquele momento. Seus olhos tão castanhos quanto os dele encheram-se de lágrimas transbordando milhares de sentimentos. Os olhos trocavam mil palavras que só Deus sabe se seriam ditas. O passado voltava a tona com força como um filme que somente eles poderiam ver.

"Helen, por que você tá... Damian?!" O loiro recebeu a reciprocidade do olhar do velho amigo que não via há tempos.

"É bom vê-lo, James." Arqueando a sobrancelha, Damian ocultou um sorriso satisfatório ao ver o amigo com sua irmã. "Posso entrar?!" Direcionou seu olhar a Helena que encarou-o e afastou-se da porta se direcionando a janela. O convite mudo pra ele entrar.

"Eh..." Jamie pigarreou. "Eu vou deixa vocês conversarem. É bom te ver, cara!" O loiro o cumprimentou e voltou pro quarto onde suas roupas se encontravam. 

Com o choro preso na garganta, Helena direcionou novamente o olhar a seu irmão. Ele estava mais velho, mais maduro e mais parecido com o pai do que ele mesmo gostaria. O rosto que estava habituada a ver livre de pelos agora sustentava uma barba longa e escura unindo-se de forma natural aos cabelos. Dava um ar de seriedade e tornava qualquer olhar dele mais intenso. A sensação de perda veio ao seu peito. Não era mais o irmãozinho 5 minutos mais novo, era um homem.

"Me perdoe." A voz dele soou baixa, porém firme e dócil. Ela não conseguiu tomar mais nenhuma atitude se não correr para abraçar o irmão com força. O grito, assim como o soco imediato, não veio. Mas as lagrimas não se deixavam. "Também senti saudades." Ele sorriu retribuindo-a com a mesma intensidade.

"Calado!" Ela o empurrou. "Onde você estava?!" 

"Em missão. E não, não pude entrar em contato." Ela riu irônica e se afastou dele a tempo de assistir raios cortarem o céu. Nunca soube muito sobre o exército, o interesse real surgiu quando viu Damian partindo. E aquilo havia doído, era seu caçula, seu gêmeo, metade dela tinha partido com ele. 

"E você não podia nem mandar uma carta?! Ou, sei lá, sinal de fumaça?!" Ela cruzou os braços com a sobrancelha arqueada igual a mãe deles fazia. Olhar pra ele a fez sentir aquela menina que fazia casca de durona, mas não tinha maldade portanto não tinha defesas. Ela o odiou aquilo, odiou aquele sentimento e odiou olhar pra ele. "Sabe quantas cartas eu te mandei?!"

"Sabe que não, me perdoe." Ele fez aquele mesmo olhar dócil que tinha quando era criança, o mesmo que a metia em encrenca de vez em quando. Mas não cedeu, estava tão irritada pelo medo que havia passado esse tempo que nada parecia convencê-la. E o pior, tinha medo daquilo não ser real. 

"Tem noção de quanto tempo eu fiquei esperando noticias suas?" Ela disse baixo a fúria se expressava em lágrimas grossas pelo seu rosto. "De quantas noites eu passei sem dormir sentindo que você não estava bem e não poder fazer nada?" Ela socou o peito dele que não se mexeu. Nem aquela dor foi maior do que a de seu coração ao vê-la naquele estado. "Tem noção de que eu revirei esse mundo e todos os outros por você?!" Ela foi o empurrando enquanto batia aonde podia nele e com o máximo de força que pudesse. 

Estava com ódio e ao mesmo tempo aliviada. Cada vez que batia e batia nele que nem se preocupava em se defender dos ataques dela tinha a certeza que ele era real. Seu caçula vitelino estava ali diante dela uns anos mais velho, com um rosto mais sério e um brilho diferente nos olhos, mas ainda parecia aquele mesmo menino.

"VOCÊ NÃO VAI DIZER NADA?" Ela gritou socando o rosto dele. "NÃO VAI NEM SE DEFENDER?! EM, SEU CRETINO DESGRAÇADO!!" O sangue escorreu pelo nariz dele direto na mão dela, então parou e o olhou. Um corte no lábio, nariz sangrando e as lágrimas nos olhos que nem parecia de longe pelos machucados físicos. Era mais profundo. 

"Você tem razão." Ela o olhou ainda mais furiosa. "Mas nada do que eu diga aqui vai perdoar o que eu fiz. Muitas coisas aconteceram dentre esse tempo e... Eu tentei, eu juro que tentei, mas não conseguir voltar antes." Ele suspirou cansado e a encarou de forma séria e triste. "Não tenho nada pra te dizer que não seja perdão. Perdoe a imaturidade do seu irmão, perdoe minha falta de atenção e perdoe minha ausência." Ele não gritou, não esbravejou e não agiu nem de longe de como agiria o caçula que ela conhecia. 

A verdade era que havia partido quase sem aviso prévio. Deixou seu coração com sua irmã e não olhou para trás, não havia uma forma boa de lidar com a dor e, mesmo que fosse egoísta e até imaturo, Damian arrumou o próprio jeito de lidar com a dele. Cuidou para que sua irmã se reerguesse e partiu em busca da própria paz de espírito. Porém, como tudo na vida isso tinha um preço alto a se pagar e foi exatamente o que aconteceu. Aprendeu a crescer na dor e amadureceu no caos e sofrimento. Matou o garoto para o nascimento de um novo homem.

Secando as lágrimas do rosto, Helena respirou fundo encarando os olhos tão caramelados quanto os dela. Sabia que ele tinha razão, por mais que doesse admitir. E não havia mais porque lutar ou brigar. Ela havia passado tanto tempo sufocando o medo de estar sozinha ali, de não poder vê-lo mais, de sobrar só a dor que ela sufocaria para que seu filho não sofresse, que só o fato de Damian estar ali já lhe dava esperanças de novo. Não se sentiria mais só na multidão, sabia que ele sempre estaria lá. 

Sem pensar em mais nada ela se entregou ao impulso de abraçá-lo de novo e chorou. Chorou tudo o que não havia chorado naqueles 6 anos que se passaram, chorou as dores, os medos e o alívio de se senti-lo agarrado a ela respirando devagar para acalmá-la. Juntos, eles deslizaram pela parede e se sentaram no chão sem se soltar. No fundo ele sabia, Helena levaria tempo para confiar nele de novo, mas não poderia estar mais feliz por aquela conversa ter acontecido.  A chuva caiu forte do lado de fora, raios e trovões dançavam no céu com suas luzes e sons. 

"Esse é mais um dos nossos momentos com temporais, mas a tempestade vai passar." Ele sussurrou e sorriu para sua irmã mais velha que assentiu de olhos fechados. "Eu prometo." 

Samael - A Herança do Cavaleiro das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora