CAPÍTULO 1

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Nada se poderá comparar à
beleza luminosa e serena das
manhãs deliciosas das cidades
costeiras na bela França, onde a
civilização moderna reconhece o
berço da cultura, da elegância bem
como a grande simpatia
característica à sua gente afável e
romântica.
    Em meados do século dezoito,
pelo ano de 1787, a situação desse
belo país era de glórias literárias e
renascimento artístico.
    Os gauleses, de ordinário astuto
e donos de marcante personalidade
artística, contribuíram
sobremaneira para o desabrochar
da literatura, da musica e dos
descobrimentos científicos que
marcaram auspiciosamente aquele
século no calendário do mundo
terreno.
     Ateill era pequena e próspera
vila ás margens do Sena, abrigando
em seu seio uma população de
10.000 habitantes possuidores de
situação financeira apenas regular.
Trabalhadores e econômicos eram
poucos os seus divertimentos: as
festas tradicionais da colheita da
uva e do trigo, do Natal e da
semana santa. O povo,
sobremaneira supersticioso, e os
camponeses, que representavam
grande maioria, possuíam
verdadeiros rituais com os quais
pensavam espantar malefícios,
atraírem a sorte, arranjar
casamentos e fazer fortuna.
O vigário local, homem culto e
de boa índole, sincero na execução
da doutrina que esposara tudo
fazia para desviar o povo das
crendices, mas, o que conseguira,
talvez devido ao uso do ritual
litúrgico, fora uma mistura de
benzimentos romanos com os
rituais regionais.
Entretanto, apesar da sua boa
vontade, Frei António não podia
compreender que o homem traz no
subconsciente a força criadora do
seu destino e que sem ainda a
entender e saber exteriorizá—la em
seu beneficio, extravasa—a de
maneira pouco convincente,
inoperante mesmo.
O que acontecia com o simples e
bondoso Frei António, vem
acontecendo também em nossos
dias. Queria ele apenas substituir
as encenações e costumes
supersticiosos de um povo rude,
pelas encenações vistosas da
liturgia romana!
Talvez, que, se apenas falasse
dos sentimentos, do amor, da
caridade, da doutrina do Mestre Jesus, do Evangelho pura e
simplesmente, eles tivessem se
modificado um pouco, porque o
coração singelo da gente do povo
receberia melhor o Cristo filho do
carpinteiro e Pastor das almas
sofredoras do que o filho de um
Deus terrível, possuidor do
privilégio de conceder passaportes
para o céu e condenar seus irmãos
para o inferno!
Longe de afastá—los das
superstições, Frei António
inconscientemente mais as
arraigava, introduzindo nela
apenas os costumes católico—
romanos da confissão e dos
sacramentos que distribuía, aliás,
com carinhoso ministério.
Frei António não era ainda muito
velho, aparentava mais idade
devido aos cabelos brancos que lhe
cobriam a bela cabeça. Seus
minúsculos e alegres olhos de um
azul profundo emprestavam—lhe à
fisionomia certo ar de juventude.
Estatura mediana e robusta,
possuía certa protuberância à
altura do ventre o que de certa
forma o envergonhava, fazendo
com que inconscientemente conservassem sempre as mãos
cruzadas sobre o peito, como que
para escondê—la. Parecia—lhe um
desrespeito, sua robustez, seu
ventre volumoso, para com os
santos e mártires que jejuavam
constantemente, permanecendo
pálidos e sóbrios como convinha a
um transmissor das leis Divinas.
Infelizmente, porém, Frei
Antônio não conseguia resistir às
tentações da boa mesa: seus
paroquianos contribuíam bastante
para isto, pois, desejosos de
agradá—lo, convidavam—no
constantemente à mesa e quando
não, levavam—lhe deliciosos
presentes.
Para desculpar sua própria
consciência, Frei António
costumava repetir em pensamento
que seu único pecado era aquele. O
vinho da vila era realmente
irresistível, e as deliciosas tortas
se não fossem saboreadas como
mereciam, ofenderiam certamente
aquela gente que tão
prazerosamente o presenteava.
Frei Antônio, naquela manhã
luminosa, estava atarefadíssimo.
Era domingo e, portanto teria de
oficiar três missas, inclusive à
tarde, e preparar os festejos para a
procissão de São Marcos que
acabaria em festiva quermesse.
Sua casa era simples, mas limpa.
Madame Merediet cuidava de tudo.
Seu aspecto era bem diverso do
padre. Magra, de uma magreza
ossuda que a fazia parecer mais
alta; sisuda, pouco falava quando
exercia suas atividades na casa do
padre.
Trabalhava toda a manhã e ia—
se embora ao entardecer, porque,
dizia, não ficava bem a uma viúva,
(embora com 50 anos, mas viúva)
permanecer na casa de um homem
só. Ela compenetrara—se o tal
ponto da necessidade de ser séria,
principalmente porque era
empregada do vigário, que jamais
sorria.
— O povo fala muito — costumava
dizer — sou viúva, mas, honesta!
Suas roupas sempre escuras, de
gola alta e mangas compridas,
faziam—na parecer mais magra,
mais ossuda e mais feia.
Mas, Madame Merediet não se
importava. Não possuía a tão
comum vaidade feminina.
Esquecia—se mesmo de que era
mulher. Sua vida era áspera como
ela mesma e sem amor que a
pudesse adoçar. Não tinha família,
a não ser uma irmã de quem nunca
falava, porque tivera a ousadia de
dar um mau passo na Juventude.
Nunca procurara saber do seu
paradeiro. Ela já estava certamente
condenada ao inferno, e Madame
Merediet nada poderia fazer para
salvá—la.
Às vezes lembrava—se
escandalizada da confissão que
Anete lhe fizera no passado, e seu
rosto cobria—se de rubor. Quando
isto acontecia, ia confessar—se
imediatamente e Frei Antônio a
confortava, dizendo—lhe que
deveria esquecer a irmã transviada
como se jamais tivesse existido.
Mas, parecia cruel tentação do
demônio, Madame Merediet não
podia deixar de pensar nela!
A maneira pela qual Anete lhe
confessara que amava e que ia ser
mãe! Madame Merediet a advertira
do pecado cometido, rogando—lhe
que fosse pedir conselhos a Frei
Antônio, mas ela lhe respondera
orgulhosamente que era feliz profundamente feliz!
Anete era o oposto da irmã.
Esbelta, não magra, alegre e bela
dona de um olhar brejeiro que a
tornava profundamente simpática.
Além de tudo era arrogante.
Jamais se conformara com a vida
humilde dos Merediet, camponeses
que, naqueles tempos,
trabalhavam de sol a sol para
comer, pois as terras eram do seu
patrão, que as arrendava com boa
porcentagem nas colheitas.
Não! Anete não pertencia àquela
vida que julgava mesquinha e
miserável. Desejava subir, viver
em um mundo que não conhecia,
mas, que julgava fascinante! Seu
sangue moço, ardente, impetuoso,
refletia—se em seu semblante em
um traço de força e vontade.
Ao conhecer o jovem Roberto,
filho do duque daquelas terras
apaixonara—se ardentemente por
ele, com a força impetuosa de suas
dezesseis primaveras. Ele
representava o mundo que ela
admirava e desejava penetrar.
Conhecera—o quando ele viera
inspecionar a safra no ano
anterior. Seu pai adoecera e ele,
tomando a si o encargo
administrativo das propriedades,
sairá para uma vistoria geral em
suas terras, fiscalizando—as para
não serem enganados pelos
camponeses que, muitas vezes
revoltados com o preço elevado
que lhes cobravam, ocultavam o
montante da colheita.
Vira—a também em uma
luminosa primavera e seu olhar
exuberante, suas formas
elegantes, tentadoras, não lhe
saíram da mente.
Roberto Chãtillon, como filho
único, herdaria pela morte do pai o
título de duque e uma imensa
fortuna. Seu aspecto era belo e
atraente, principalmente para uma
pobre e ambiciosa camponesa
como Anete.
Vestia—se sempre luxuosamente
e ao contrário do velho Duque, seu
pai, não era miserável. Sua
prodigalidade tornava—o bem
vindo onde aparecesse. Mas o que
muitos não notavam e Anete
também não notou, é que ele era
perdulário, mas não pródigo
egoisticamente perdulário. Se algo
lhe agradasse, seria capaz de dar
todo o dinheiro que lhe pedissem
para possuir o objeto do seu
interesse, entretanto, sem ser
mau, não concedia um dia a mais
aos campônios para saldarem seus
compromissos e não os isentava de
parte dos pagamentos quando os
via em miserável situação
financeira.
Ele não compreendia a
necessidade do pão, pois que
nascera em berço de ouro. Julgar—
se—ia mesquinho de discutir uns
miseráveis soldos com seus
empregados. Trato é trato,
pensava ele. Quanto às
necessidades morais e físicas dos
pobres camponeses, nem sequer as
percebia. Não era mau, era apenas
um indiferente.
— Deus, pensava ele, fizera tudo
certo. Não lhe compelia mudar as
coisas.
Logo mandou um servo à
procura de Anete e naquela noite
mesmo teve inicio o romance entre
eles. Roberto, a princípio, julgou
entregar—se ao convívio de Anete
como já lhe havia acontecido
outras vezes, como um
passatempo agradável, mas de curta duração. Entretanto, Anete,
possuidora de forte personalidade
e caráter arrebatado, começou a
interessá—lo mais profundamente.
Sagaz, a jovem Campânia,
percebendo—lhe a volubilidade do
caráter sempre facilmente saciado,
a ele não se entregou, fugindo—lhe
sempre no momento em que ele
menos esperava ou desejava. Mas,
Roberto era belo, sabia agradar
quando queria e Anete amava—o
com todo ardor de sua mocidade
exuberante. Assim, um dia
aconteceu o inevitável;
entregaram—se um ao outro.
Ela, desejosa de forçar uma
posição social mais elevada,
passou a vê—lo frequentemente,
depois do acontecido, mas sempre
fugindo à sua intimidade, certa de
que só assim conseguiria conduzi—
lo á meta ideal do matrimônio.
Roberto, fascinado,
deslumbrado, apaixonado mesmo,
não mais conseguia ficar longe
dela e somente os arraigados
preconceitos sociais dos seus
evitaram que ele a desposasse.
Quando a situação se complicou
com o aparecimento de um fruto
desse amor proibido. Anete pensou que a vinda dessa criança
ser—lhe—ia preciosa, eliminando o
restante das dúvidas de Roberto,
decidindo—o ao tão cobiçado
casamento.
Tal, porém, não aconteceu.
Roberto, tomado de verdadeiro
pânico frente ao escândalo, pensou
em tudo, menos em assumir a
responsabilidade dos seus atos.
Irresponsável pelas muitas
facilidades que a vida lhe
proporcionara, não compreendeu
que o novo ser que deveria nascer,
precisava de sua mão protetora de
pai, dos seus carinhos e do seu
nome.
Não. O egoísmo falou mais alto,
e Roberto decidiu—se a afastar
Anete de Ateill o mais breve
possível para que o acontecimento
não se tornasse público. Sabia que
Anete o amava, gostava dela
também. Sendo assim, armou seu
plano; alugaria uma pequena casa
para ela em Versailles. Iria vê—la
sempre que pudesse. Desta forma,
teria satisfeito sua sede de amor e
afastaria a possibilidade de ser
apontado pelos seus camponeses
com um vil conquistador barato
que, alem de não lhe ser lisonjeiro,
poderia prejudicar—lhe os
negócios. Gostava de fazer suas
coisas, mas não, que elas viessem
a público.
Sentia—se feliz por conservar o
prestígio perante seus
semelhantes, para poder manter
totalmente sua autoridade. Com
palavras cálidas e prometedoras,
envolveu as ambições de Anete,
arrastando—a a fuga. Antes de ir—
se, porem, Anete enfrentou a
cólera da irmã, cujo código de
moral era bastante severo, Esta a
surpreendera no quarto, altas
horas, quando arrumava suas
coisas. Anete embrulhara seus
poucos pertences em um pano
riscado, fazendo com eles uma
trouxa. Escolhera o que possuía
de melhor, que, aliás, se resumia
em muito pouco e preparava—se
para sair quando Liete Merediet,
inesperadamente, entrou no
quarto.
Surpresa murmurou:
— Anete! Que vais fazer?
Anete fixou a irmã com firmeza.
Havia, em seus grandes olhos
castanhos, desafio e determinação.
— O que vês. Vou—me embora.
— Mas, como? Com quem irás e
para onde?
— Ainda não sei onde, mas sigo
com Roberto rumo à felicidade.
Liete quase nem podia falar de tão
assustada. Jamais pensara que sua
irmã se atrevesse a tanto. E o
futuro?
— Por acaso ele se casará contigo?
Acreditas nisso? – murmurou
sarcástica.
Anete sorriu confiante.
— Certamente. Assim me
prometeu.
Madame Merediet suspirou
fundo. Sempre fora muito prática e
jamais se entregara ao
romantismo. Havia perdido os pais
muito cedo e como mais velha
tivera que enfrentar árdua luta
para prover a subsistência de
ambas. Entregara—se com rudeza
ao trabalho e às responsabilidades
em uma idade em que os primeiros
sonhos deveriam desabrochar.
Habituara—se assim a ver sempre
o lado prático das coisas e o que
mais segurança e estabilidade
pudessem trazer à existência.
Por isso não justificava a atitude
da irmã e nem a compreendia. Pelo
contrário. Sentia a sua atitude pelo
lado real da vida e conhecia as conseqüências que poderiam advir
desse gesto louco. Anete era muito
jovem.
Como sua irmã casada e única
parenta, devia conversar com ela,
tentar fazê—la entender a loucura
do seu comportamento.
Suspirando profundamente, Liete
Merediet chegou—se para a irmã
olhando—a bem nos olhos:
— Anete, és muito jovem. Não
sabes o que fazes. A vida é muito
dura quando estamos sós contra
tudo e desejamos manter nossa
honestidade. Esse homem não se
casara contigo. Tenho a certeza. Se
desejasse faze—lo, não haveria
necessidade dessa fuga. Vais
cometer tremendo pecado. Deus te
castigará.
Anete apertou os lábios com
força, suas mãos crisparam—se
apertando o nó da trouxa que
sustinha. Havia surda
determinação em sua voz quando
disse:
— Não adianta Liete. Não tenho
medo do inferno! Não acredito que
ele exista realmente.
Madame Merediet, com pequeno
grito de susto, tapou—lhe a boca
com as mãos.
— Não blasfemes Anete!
— Digo o que sinto. Sempre
detestei esta gente, esta vila, esta
miséria. Vivemos nesta casa imunda e sem conforto. Num
ambiente onde tudo falta!
— Não sejas ingrata, Anele. Temos
o que comer e a casa para viver.
Afinal o que desejas mais?
A outra olhou para a irmã com
assombro e altivez. Depois, com
voz vibrante, olhos brilhantes
parecendo não vê—la sequer,
respondeu:
— Viver! Tenho sede de viver, de
sentir—me alguém, de amar e ser
amada, ter luxo e dinheiro para
fazer—me bonita. Viver longe deste
lugar horrível onde tudo lembra
uma rotina incessante e tediosa.
— Estás louca, Anete. Vais de
encontro a uma miragem que se
escapará de tuas mãos!
— Sei que não podes compreender.
Tenho—lhe pena. Viveste sempre
uma vida áspera e sem sonhos.
Não tens sensibilidade. É como se
estivesses morta. Mas, eu não!
Sinto o sangue crepitando nas
veias. Amo! Sou amada! O que me
impede de ser feliz?
Boquiaberta e horrorizada, Liete
olhava a irmã que transfigurada
parecia outra mulher.
— Não acredito que ele te ame. Se
te amasse, casar—se—ia contigo.
Não serás em sua vida senão uma
amante que manterá enquanto o
satisfizer, mas que deixará de lado
quando surgirem outras mais interessantes!
Súbito rubor coloriu as faces de
Anete.
— Não sabes o que dizes. Ele me
ama! — sua voz era orgulhosa e
firme. — Sinto o seu amor quando
seus lábios me beijam e quando
estou a seu lado! — fingindo não
ver o ar escandalizado da irmã,
querendo castigá—la mesmo pelas
rudes palavras que lhe dissera,
continuou. — Como podes saber o
que é o amor? És casada, mas o
fizeste por interesse,
calculadamente, a troco de
miserável proteção financeira.
Jamais sentiste a glória do amor! A
inebriante alegria de pertencer ao
homem amado!
— Que dizes? Acaso...
O olhar de Liete tornou—se duro e
sua voz metálica, prenunciando a
borrasca iminente.
— Sim — a voz de Anete era um
murmúrio agora. Emocionada com
sua própria situação, sentiu
lagrimas descerem—lhe pelas
faces. Por que pensas que desejo
ir—me daqui, assim, de repente,
sem pensar em casar—me antes?
Não posso esperar. Vou ser mãe!
— Meu Deus! Anete!
Faces escaldantes, Liete
Merediet desejou não estar ali
naquele instante. Indignada, sentiu
que toda sua dignidade construída
na moral e na religião, ruía por
terra. Sua irmã desonrara—lhe e a
casa!
O que diriam os outros quando
soubessem? Certamente ela seria
alvo da mais humilhante situação,
O que fazer? Já agora sentia
esmorecer o desejo de reter Anete.
Sua fuga, apesar de escandalosa,
seria melhor do que a publicidade
de seu filho sem pai.
Mesmo assim, Liete desejou
ultimar as obrigações que como
mais velha e casada devia a Anete.
Realizando grande e penoso
esforço para dominar—se,
vencendo a revolta pelo leviano
procedimento da irmã, aconselhou:
— Tens a alma denegrida pelo
pecado! Procura Frei António,
confessa e pede—lhe a absolvição!
Anete mais uma vez fixou a irmã
demoradamente. Olhos brilhantes,
faces coradas pelas emoções
contraditórias do futuro incerto,
sorriu por fim. Um sorriso
confiante, destemido e algo
zombeteiro.
— A alma denegrida pelo pecado?
Poderias esclarecer—me o que
consideras pecado? — Vendo Liete
pasma pela audácia, continuou
provocante — Será então culpado o
afeto que consegue gerar um outro
ser, pedaço de nossas carnes, mas
sem dúvida reflexo do nosso afeto?
Não creio que exista pecado nas
minhas ações! O amor somente se
torna culposo quando atraiçoa ou
quando se lho roubamos a outrem.
Roberto é livre e eu também. Não
irei ao Senhor vigário porque
mesmo que me considerasse
culpada, não poderia fazê—lo. Não
acredito que ele possa remediar
com sua absolvição o mal que
porventura eu houver praticado.
Sou ambiciosa bem o sei. Mas isso
não é pecado. Tu mesma não
fizeste outra coisa durante toda
tua vida senão recalcar teus
sentimentos. Mas, eu sei, sei que
és igual a mim. Apenas tens medo
da opinião dos outros. Jamais
amaste leu marido. Jamais fizeste
algo que realmente desejasses
fazer, mas, que fosse de encontro
com a opinião da maioria
considerada como modelo de
virtudes.
Pobre Liete! Tenho—te pena! Mas,
toma cautela, pois que algum dia,
não mais conseguira reprimir a
avalanche dos desejos e virá então
à tona tua verdadeira personalidade. Agora me vou.
Adeus, Liete! Apesar de tudo, és
minha única família e eu te estimo.
Abraçou—a, mas percebendo que
Liete muito vermelha, olhos
baixos, corpo tenso e rijo não
retribuía seu abraço, concluiu:
— Fui severa demais para contigo.
Perdoa—me. Não desejo ir—me
com a recordação da tua inimizade.
Perturbada ainda, Liete tentou
sorrir retribuindo—lhe o abraço.
Estava perplexa, agitada, e quando
Anete rapidamente se ia embora de
sua casa, com a pequena e humilde
bagagem, sentiu—se envergonhada
reconhecendo dentro de si, que, de
fato, algo de tudo quanto sua irmã
dissera devia ser
verdade, pois que surpreendia—se
a invejá—la pela coragem de
afrontar o mundo daquela maneira
e ainda mais, por algo que ela não
conseguira ter: um filho!

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