Ultimamente, não sei como escrever. Não sei organizar pensamentos. O médico diz que isso faz parte do meu problema, o que só me dá cabo dos nervos porque praticamente me chama maluca. Os meus pais apenas sorriem e dizem que não sou maluca, o que me faz sentir ainda pior.
O meu nome é Luísa, tenho 16 anos e perdi o propósito da vida. Sim, parece-me uma boa descrição de mim.
Para qualquer pessoa que me veja na escola, sou a rapariga suicida.
Não se iludam. Não aparece nenhum rapaz perfeito que vos descobre os cortes e vos ajuda a ultrapassar os vossos problemas. Vai aparecer o rapaz que diz aos vossos pais que vocês são malucas e acabam num manicómio e um monte de ligaduras nos pulsos, praticamente apenas para mostrar que têm cortes.
Foi o que me aconteceu. Viram o meu pulso cheio de cicatrizes, umas mais recentes que outras, e correram a informar que eu era simplesmente doida a toda a gente que vissem. Mal os meus pais souberam puseram-me no centro de reabilitação mais próximo, como a doente mental que eu era. Fui atendida por milhentos médicos e até hoje só me retiram mais sanidade mental, e a minha já é pouca.
Mas qual é a ideia de preservar a minha sanidade mental se eventualmente vamos todos morrer? Um dia fomos todos esquecidos. É inútil. É inútil e uma estupidez. Tudo na vida é uma estupidez inútil. Qual o propósito disto tudo? Qual o propósito de viver e "ser feliz" se no fim morremos sem nenhuma glória? Mesmo que tenhamos uma morte heróica, com algum reconhecimento, ao fim de um ano ninguém se lembra do nosso nome, ao fim de cinco ninguém se lembra da nossa morte, ao fim de cem a nossa existência é desconhecida.
Um. Dois. Três. Três cortes. Apesar de me esconderem todos os objetos cortantes desta casa, nunca souberam da existência de algumas lâminas.
Quatro. Cinco. Seis. Sete. Não é suficiente e ainda não me ajuda. Preciso de ir mais fundo.
Oito. Nove. Dez. Onze. Doze. Estou a ficar tonta, mas está a resultar.
Treze. Catorze. Quinze. Dezasseis. Dezassete. Dezoito. Sangue por todo o lado.
Dezanove. Vinte. Acabou. Obrigada por escutarem.
