A versão dela

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   As festas me deixam doente, odeio as falsas aparências, os jogos sujos, os namoricos, os bêbados idiotas, um lugar onde nenhum sentimento é verdadeiro e tem bebida para menores,me pergunto então, oque eu estou fazendo às 22:40 de um sábado, na varanda da casa do capitão de futebol americano da faculdade, com uma saia curta, uma blusa com decote em v nas costas e um salto agulha de 15 cm no pé, o que  raios eu estou fazendo aqui?
   Do canto do olho posso ver maioria das pessoas que estavam no quintal da casa me olhando, mano, parem de me julgar!
   Penso em apertar a campainha, será que ainda fazem isso? É uma festa de faculdade! Isso é bobagem, penso. Não deveria estar aqui. Não me encaixo e odeio toda essa gente que está aí dentro.
     Me lembro do motivo bárbaro pelo qual fui obrigado a vir: Syide me convencera, claro que ela usou argumentos conviventes como : " você nunca sai de casa", " precisa socializar garota! " , " Se você não for nossa amizade acaba". Ok , fui mais pelo último motivo, mas o que vale é a intenção.
        Syide e eu somos amigas desde pequenas, ela cresceu e ficou "maluca" como pode-se dizer, já eu nunca fiz nada que possa ser considerado emocionante e arriscado. Moramos em uma cidade pequena então não tenho muita opção.
    Pego o celular pra ver as horas : 22:46, " eu vou matar ela - penso". Abro os contatos e clico em ligar, poucos segundos mais tarde ela atende.
      - fala amor da minha vida!
      - cadê você?
      - oi pra você também!
      - para de enrolar,! Onde você tá?
      - quê?
      - a festa! A maldita festa pra qual você me arrastou. Estou plantada aqui na varanda da casa até agora te esperando!!
     - aii, isso. Me desculpa
      - não, não, eu não posso acreditar que você fez isso
      - amiga do meu cori... Então
       - eu vou matar você
       - tudo bem, eu deixo, foi mal
      - NÃO foi péssimo!
      - juro que não foi por querer, eu só desisti de última hora, esqueci de te avisar
      - o que eu vou fazer agora?
      - ué, aproveita a festa!
      - ata, vou sim, claro, inclusive já estou me divertindo muito!
      - que bom, tenho que ir tchauzito!
    
       Ela simplesmente desligou na minha cara, essa faltou as aulas de figuras de linguagem ou então ignorou minha ironia.
     Olho em volta, tenho duas opções: primeira - entrar e me socializar com o povo, tentar ser gentil, engraçada, bacana, legal, beber até ficar igual os bêbados idiotas e voltar pra casa amanhã de manhã sem saber quem eu sou...ou.... Segunda - ir embora enquanto dá tempo e passar na sorveteria da cidade, voltar pra casa cheia de açúcar no sangue, porém não tão desnorteada.
     Bom, sabemos qual escolherei, sorveteria do Manny, aí vou eu!

        Antes de bater na porta recolho a minha mão e dou as costas para aquele antro de perdição juvenil.
      Ao sair para o jardim novamente as pessoas que antes me julgavam agora me olham com desprezo. Ok, eu não me importo com eles, nem ligo para o que pensam, são babacas, todos.
     
    Peguei um Uber na vinda, porém só tinha dinheiro para mais uma viajem, decidi guardar pra quando estiver voltando da sorveteria. Ela não era muito longe, só uns dois quarteirões, então fui andando mesmo, obviamente tirei o salto agulha de 15 cm que estava usando e o carreguei na mão até chegar ao meu destino. Pode parecer estranho mas até que o asfalto estava confortável naquela noite.

   Na nossa cidade quase nunca teve assaltos ou qualquer tipo de violência que se vê numa cidade grande, então uma garota às 23:00 da noite na rua não seria surpresa, apenas mais um motivo para as pessoas que estão em suas casas confortáveis me julgarem. Como já disse, não me importo com o que elas pensam.

      Demora 10 minutos até o Manny, mas quando chego é um alívio imediato, estou em um ambiente familiar. Desde que me entendo por gente existe a sorveteria do Manny na cidade. Lembro quando tinha 5 anos e meu pai me trazia aqui então o Manny faz parte da família.

       Assim que empurro a porta e o sininho toca,do balcão Manny me dá as boas vindas:

       - Mag, como vai a minha louca por sorvete preferida?
       - ei Manny, hoje eu quero me afogar no sorvete, estou tendo uma noite péssima!
       - oh querida! Não fique assim, vai melhorar, você está no lugar certo!
         Sento num banquinho em frente ao balcão e encaro Manny:
       - eu conto com isso.
      Ele se levanta e vai até a cozinha preparar um banana esplit caprichado. Quando ele volta, estou debruçada no balcão com a mão apoiada no queixo.
        - esse é por conta da casa!
      - eu ja disse que você é o melhor?
     - já, mas pode dizer novamente pois eu não me canso de ouvir!
    

    23:38

     - e foi isso, desperdicei  uma noite de sábado indo a uma festa idiota onde sabia que não tinha nada pra mim, e agora estou tomando sorvete quase meia noite desabafando com o dono da sorveteria que por algum acaso hoje virou meu psicológo
     -  olhe pelo lado bom, você está aqui agora
     - verdade, e esse sorvete fez todos os meus problemas acabarem
    - que bom, mas aqui já está tarde. É melhor você voltar pra casa
    - é mesmo, vou chamar o Uber aqui
    - ok
 
   Peguei meu celular e ativei os dados móveis. Fiz o pedido da corrida e depois de 10 minutos alguém aceitou.

   23:50
    
   - tchau Manny, eu volto amanhã de dia
   -  tô aqui para o que precisar garota
    - obrigada
    - e não se esqueça, esses seus "amigos" são uns bodes sem corações
    - nem todos, mas obrigada
   - de nada, Mande lembranças para os seus pais.. boa noite Mag.
  
    O Uber chegou e indiquei meu endereço entrando no carro. Me sentei na parte de trás no lado do banco do motorista.

      O moço ia bem devagar, chego a arriscar que ele tava a 20 km/h, fiquei com raiva, mas era um senhorzinho então deixei passar.

     O carro estava do lado direito da pista, de modo que o esquerdo estava vazio até o momento, pra falar a verdade, a avenida estava deserta. Paramos no sinal e 10 segundos depois outro carro parou ao nosso lado.

     Os vidros eram claros e dava pra ver quem estava lá dentro. Os vidros do carro em que eu estava porém, passava apenas um vislumbre do ocupante.
      Me atrevi a olhar para a janela do outro carro, apenas por curiosidade, quem seria a outra pessoa a ser julgada por estar na rua a essa hora da noite?
      Meu coração acelerou quando nossos olhos se encontraram. Porque ele também estava olhando pra mim? A troca de olhares se estendeu apenas por alguns segundos, mas para mim, parecia uma eternidade. Houve uma conexão entre nós, como se a partir daquele momento estivéssemos destinados a nós encontrarmos.

Ele sorriu e antes que eu pudesse retribuir o gesto, mantendo o encanto do momento, sai da hipnose quando meu telefone tocou.
     Levei um susto e dei um pulinho do banco, a tela se acendeu e voltei meu olhar a ela, era uma mensagem de Syide.
     O sinal abriu e o motorista que antes ia como uma tartaruga pisou no acelerador tanto quanto pode, deixando o outro carro para trás. pouco antes de arrancarmos olhei novamente para o sujeito me encarando, e ele continuava a me olhar,seria mais um a me julgar?

     Dessa vez eu sorri pra ele, e por incrível que pareça algo se acendeu em seu rosto, como um brilho, uma esperança, como se já nos conhecemos de algum lugar. Logo descarto essa possibilidade, pois se fosse verdade, eu me lembraria daquele rosto.

     00:00

      Chego em casa e faço o mínimo de barulho quanto é possível em uma casa de dois andares com todos dormindo e apenas eu acordada. Giro a maçaneta da porta e entro silenciosamente. Subo até meu quarto escolho um pijama e sigo pro banheiro, não é recomendável tomar banho meia noite, mas eu não tinha opção, meus pés estavam imundos de ter que ir andando até o Manny; era tomar banho ou pegar algum vírus contagioso.

      Deito em minha cama e olho para o teto,fica passando em minha cabeça o rosto do menino misterioso do táxi. Me pareceu familiar, eu o conheço da onde?

As luzes da cidade (Em Pausa P/ Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora